O Dr. Avedis Donabedian, da Universidade de Michigan, é conhecido internacionalmente por sua pesquisa na área de avaliação de qualidade em medicina e por sua ênfase na melhoria do sistema de saúde.
O Dr. Donabedian vivenciou sua própria odisseia como paciente do sistema de saúde, devido ao desenvolvimento de um câncer de próstata, que iniciou em 1972. Em 2000, ano de sua morte, o Dr. Donabedian relatou sua experiência em uma entrevista ao Dr. Fitzhugh Mullan, editor colaborador da revista Health Affairs. A entrevista foi publicada na edição de janeiro de 2001 da revista (MULLAN, 2001).
Abaixo, alguns trechos extraídos da entrevista do Dr. Donabedian à revista Health Affairs:
“As coisas não vão melhorar enquanto algo não for feito em relação ao desenho do sistema.”
“Eu penso que a comercialização do cuidado é um grande erro. O cuidado à saúde é uma missão sagrada. É um empreendimento moral e científico, mas, fundamentalmente, não comercial. Nós não estamos vendendo um produto. Nós não temos um consumidor capaz de entender tudo e fazer escolhas racionais...”
Avedis Donabedian (1919-2000).
Não é à toa que incluímos a gestão da clínica como um módulo deste curso...
E o nosso ponto de partida é tratar a questão do cuidado à saúde como dimensão central na gestão das organizações de saúde, tendo como objetivo o aprimoramento contínuo dos processos e dos resultados a ela pertinentes.
Poderíamos falar de gestão da assistência à saúde, ou gestão do cuidado à saúde, mas optamos por incorporar a expressão gestão da clínica, que vem sendo predominantemente adotada na língua portuguesa, sem prejuízo da abrangência contemplada.
Por outro lado, tomamos como referência conceitual a “governança clínica” (clinical governance), movimento que vem se consolidando desde a segunda metade dos anos 1990 no Sistema Nacional de Saúde adotado pelos ingleses, e que insere a decisão clínica no contexto gerencial e organizacional.
Ela foi estabelecida como um marco com base no qual as organizações de saúde são responsáveis pelo permanente aperfeiçoamento da qualidade dos seus serviços, mantendo elevados padrões de cuidado, com a criação de um ambiente em que a excelência da atenção clínica floresça (DONALDSON; GRAY, 1998).

Como norte da gestão da clínica, assumimos, então, alguns princípios (DONALDSON; GRAY, 1998; BUETOW; ROLAND, 1999):
Outro autor que discute a gestão da clínica no âmbito das redes de atenção à saúde no Brasil é Eugenio Villaça Mendes.
"A gestão da clínica implica a utilização de tecnologias de microgestão dos serviços de saúde com a finalidade de assegurar padrões clínicos ótimos, de aumentar a eficiência, de diminuir os riscos para os usuários e para os profissionais, de prestar serviços efetivos e de melhorar a qualidade da atenção à saúde. " (MENDES, 2011).

Este módulo está organizado em quatro temas:
Para continuar seus estudos, siga para o Tema 1.1. Qualidade da assistência à saúde.
Apesar de serem múltiplas as definições de qualidade da assistência à saúde e do reconhecimento dos seus diversos atributos, selecionamos aqui duas delas, que vêm sendo amplamente utilizadas na literatura e que consideramos bem pragmáticas.
A primeira provém do Institute of Medicine Estados Unidos da América, entidade responsável por uma expressiva produção na área da qualidade da assistência à saúde:
"Grau em que os serviços de saúde para indivíduos e populações aumentam a probabilidade de ocorrência de resultados desejados e consistentes com o conhecimento profissional corrente. " (IOM, 1990).
Nessa definição, destacamos:
Fica implícita a ideia de que uma boa prática de atenção à saúde é aquela que, segundo as melhores evidências existentes, tem mais chance de promover a obtenção de um bom resultado.
A segunda definição que selecionamos é a utilizada pelo Sistema Nacional de Saúde inglês no contexto de implementação da governança clínica:
"Qualidade é fazer as coisas certas, para as pessoas certas, no tempo certo, e fazer tudo certo da primeira vez. " (DONALDSON; GRAY, 1998).
Nessa definição, além da incorporação do foco no processo da atenção, sublinhamos a abrangência organizacional.
A qualidade deve ser compreendida como uma construção social que varia de acordo com o contexto histórico, econômico, politico e cultural. Nesse sentido pode ser definida como:
"O grau de atendimento a padrões de qualidade estabelecidos frente as normas, protocolos, princípios e diretrizes que organizam as ações e práticas, assim como aos conhecimentos técnicos e científicos atuais, respeitando valores culturalmente aceitos e considerando as competências dos atores. " (BRASIL, 2011).
A capacidade de gestão em uma organização pública é componente dos mais indispensáveis para que ela possa efetivamente fazer a diferença e entregar serviços públicos de qualidade.
Nesse sentido, exemplos de ação governamental são a Plataforma de Cidadania Digital e Conselho Nacional para a Desburocratização, que incorporaram e aperfeiçoaram as ferramentas do Gespública, o antigo Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (Gespública). Essas iniciativas atuam para apoiar o desenvolvimento e a implantação de soluções que permitam um contínuo aperfeiçoamento dos sistemas de gestão das organizações públicas e de seus impactos junto aos cidadãos.
Ambas reforçam as antigas “bandeiras” defendidas pelo Gespública: a cultura do método, a cultura da excelência e o senso de comunidade que o programa historicamente desenvolveu.
Um dos maiores objetivos dessas iniciativas é a mobilização da administração pública brasileira na direção da geração de resultados.
Com isso, finalizamos o Tema 1.1. Agora, você pode avançar para o Tema 1.2. Melhoria contínua da qualidade.
Agora, vamos discutir o que é um processo de melhoria contínua da qualidade, considerando pré-condições, componentes e atributos dessa abordagem (ou filosofia gerencial), no âmbito das organizações de saúde.

Intuitivamente, o que você apreende da ideia de melhorar continuamente a qualidade de alguma coisa?
Você consegue perceber a necessidade de definir objetivos claros e mensuráveis e estabelecer metas, que vão se modificando (continuamente) no sentido de patamares cada vez mais elevados, no decorrer do processo?
Você percebe a importância de monitorar as ações implementadas?
Pense em uma situação pessoal (por exemplo, a necessidade de perder peso, de manter a pressão arterial controlada, o desejo de parar de fumar, o desejo de que seu filho mantenha o quarto dele arrumado etc.) ou em uma situação do seu trabalho (por exemplo, a falta de comunicação entre pessoas ou setores afetando os resultados organizacionais, o baixo desempenho em alguma das suas atividades etc.) que você acha que deveria mudar.
Que medidas você anteciparia como necessárias para promover um aprimoramento permanente nas situações mencionadas?
O que você acha? Pense um pouco nisso antes de prosseguir. Recomendamos que você registre as suas ideias a esse respeito e salve de uma maneira que possa consultá-las posteriormente.
Se você refletiu sobre essas questões, provavelmente deve ter considerado oito aspectos fundamentais em um processo de melhoria contínua de qualidade. Clique nos números a seguir para saber que aspectos são esses.
Identificar o problema de qualidade e, sob certo racional, entender o que o faz um problema e em que direção se deve almejar a sua redução.
Medir a magnitude do problema identificado no momento do seu diagnóstico.
Definir o objetivo e estabelecer metas (continuamente modificadas na medida em que patamares melhores vão sendo atingidos).
Definir estratégias para a redução do problema ou, dito de outra forma, para a melhoria da qualidade do processo em foco.
Registrar as estratégias/ações executadas de fato.
Monitorar como a magnitude do problema vai se modificando no decorrer do tempo e como as mudanças observadas respondem às ações executadas.
Identificar falhas no processo – ações que levam a resultados desfavoráveis.
Ajustar estratégias/ações e medir o resultado.
Focalizando a melhoria de qualidade no processo de prestação de cuidados à saúde, vamos assumir os seis grandes objetivos propostos pelo Institute of Medicine (IOM, 2001), dos Estados Unidos, reconhecendo que existem outras formulações que redundam essencialmente nos mesmos pontos (DONABEDIAN, 1990; PROADESS, 2008; SHAW; KALO, 2002). Clique nos itens abaixo para saber mais:
Evitar danos ao paciente.
A prevenção de danos aos pacientes pode ser traduzida na redução da ocorrência de eventos que podem acarretar lesões ou a morte dos pacientes no processo do cuidado à saúde.
Uma abordagem possível é a do “evento sentinela”, onde a mera ocorrência do evento já funciona como uma espécie de alerta para a necessidade de investigar características da estrutura e do processo do cuidado.
Outra abordagem, que não exclui a primeira, é a da redução das taxas de ocorrência desses eventos ou, mais especificamente, das reações adversas que dizem respeito à ocorrência dos eventos com registro de lesão.
São exemplos de eventos a serem evitados em prol da segurança no processo de cuidado à saúde:
Prover serviços a todos aqueles que possam beneficiar-se, segundo o conhecimento científico, e inibir a oferta de serviços àqueles que não terão benefícios.
A efetividade de uma tecnologia ou cuidado de saúde corresponde aos resultados obtidos na sua aplicação para um problema de saúde definido, em uma dada população, sob condições reais de uso.
Desse modo, o objetivo de melhoria focado na efetividade dos serviços de saúde incorpora preocupações tanto no sentido de promover o uso de tecnologias subutilizadas, como inibir o uso de tecnologias inadequadamente superutilizadas.
As escolhas nesse campo são idealmente orientadas pelas evidências científicas vigentes.
São exemplos de medidas de efetividade do cuidado à saúde, passíveis de expressar metas de melhoria da sua qualidade:
Prover cuidados que respeitem e respondam a preferências, necessidades e valores individuais do paciente, e garantir que tais valores orientem as decisões clínicas.
Este objetivo tem a ver com o respeito aos direitos e preferências dos pacientes, sendo elemento-chave a provisão de informações aos mesmos acerca dos benefícios e riscos envolvidos na escolha de diferentes alternativas no processo do cuidado à saúde, bem como o compartilhamento de decisões sobre que alternativas adotar.
Intrínseca a tal objetivo está a aceitabilidade do cuidado pelo paciente e a consideração dos seus valores mais subjetivos.
Metas relativas ao foco do cuidado no paciente podem ser definidas, por exemplo, em termos:
Reduzir esperas e atrasos, muitas vezes danosos para aqueles que recebem e para aqueles que proveem o cuidado.
Aqui se insere a questão do acesso ao cuidado de saúde no momento necessário.
Exemplos de medidas pertinentes a tal objetivo são:
Evitar o desperdício, buscando obter o melhor resultado com os recursos disponíveis.
Com o crescimento exponencial dos custos envolvidos na provisão de cuidados de saúde, tem ganhado força, em diversos sistemas de saúde do mundo, a noção de que não basta que esses cuidados sejam efetivos, mas, de fato, configurem um arranjo de alternativas tecnológicas capazes de produzir mais benefícios com recursos disponíveis.
Eficiência é expressa pela razão entre custo e benefício obtido. Se o recurso é o mesmo, haverá mais eficiência quanto mais benefício se obtenha; por outro lado, considerando a expectativa de um mesmo benefício, maior eficiência estará associada à ideia de menor custo.
No campo da saúde, o conceito de custo-benefício tem sido atrelado à ideia de medição do benefício em termos monetários, dando-se, então, preferência ao custo-efetividade, onde o benefício é expresso em termos de um indicador de efetividade (mudança no estado de saúde).
Vale ainda destacar que medidas de eficiência têm, preferencialmente, um caráter incremental, designando o custo adicional de se optar pela alternativa tecnológica B, ao invés de A, por unidade de “benefício” adicionada pelo uso de B, tendo como referência A.
No processo do cuidado à saúde, envolvendo combinações de tecnologias com diferentes fins, a ideia de eficiência se aproximaria da de otimização na alocação de recursos.
Como exemplos de metas relativas à eficiência, poder-se-ia almejar o aumento de anos de vida ou anos de vida ajustados em qualidade, ou ainda a redução dos anos perdidos por morte prematura ou vida com algum grau de incapacidade, obtidos com certo investimento de recursos.
Prover cuidados que não variem em qualidade em função de características pessoais, tais como gênero, etnia, localização geográfica e situação socioeconômica.
A distribuição equânime de cuidados de saúde à população pressupõe a redução das desigualdades sociais e das desigualdades no acesso e uso de serviços de saúde.
Metas nesse sentido podem ser expressas em termos da redução na variabilidade de medidas de utilização de serviços ou de seus resultados entre diferentes grupos populacionais, devendo-se sublinhar que o “nivelamento” deve ser “por cima”, ou seja, orientado pelas melhores práticas definidas a partir do conhecimento científico vigente.
Uma situação concreta seria, por exemplo, o monitoramento do grau de ajuste da atenção ao infarto agudo do miocárdio às condutas preconizadas, para pacientes atendidos em hospitais com clientelas de níveis socioeconômicos diferenciados.
Problemas de qualidade na atenção à saúde podem ser relativos a qualquer um desses grandes objetivos, valendo identificar medidas que possam expressá-los e definir metas a serem alcançadas.
É, sem dúvida, muito importante estabelecer a direção em que se deseja caminhar em um processo de melhoria contínua de qualidade da atenção à saúde, considerando o conjunto dos objetivos listados nas páginas anteriores como de interesse real.
Também é pré-condição para o estabelecimento do processo a definição de intervenções claramente formuladas.
O monitoramento de indicadores pertinentes cumpre o papel de mensurar as conquistas que vão sendo obtidas, bem como apontar respostas não adequadas que eventualmente sugerem a necessidade de revisão de estratégias.
Finalmente, é fundamental que a organização esteja pronta para as mudanças, o que envolve a identificação de lideranças efetivamente sensibilizadas para a necessidade de que elas ocorram, o estabelecimento de relações de confiança na equipe e a existência de sistemas de informação adequados.
Adicionalmente, há de se considerar que o ambiente externo pode ser indutor da melhoria contínua de qualidade através de mecanismos de regulação, contratualização, financiamento e competição.
O SUS e as operadoras de planos de saúde, por exemplo, podem induzir o aprimoramento da qualidade de serviços hospitalares a partir de exigências contratuais.
A avaliação do desempenho das operadoras de planos de saúde, no escopo do Programa de Qualificação de Operadoras, certamente estimula a melhoria dessas operadoras no que tange às dimensões contempladas.
Os resultados do Programa de Qualificação das Operadoras são traduzidos pelo Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS) e permitem a comparação entre operadoras, estimulando a disseminação de informações e a concorrência no setor (Gráficos 1 e 2).

O aperfeiçoamento contínuo da qualidade contrasta com a perspectiva tradicional da garantia de qualidade, sedimentando-se sobre uma visão mais contemporânea da qualidade.
Sob tal visão, a qualidade é uma dimensão organizacional, pactuada como preocupação de todos, que se baseia na perspectiva de atender as necessidades das diversas partes interessadas.
A qualidade é estratégica e o seu conceito, dinâmico.
Na perspectiva tradicional da garantia de qualidade, a qualidade:
As duas abordagens (isto é, a de aperfeiçoamento contínuo de qualidade e a perspectiva tradicional de garantia de qualidade) também se diferenciam pelos modelos de qualificação da atenção à saúde adotados por cada uma delas.
Na garantia de qualidade domina o modelo profissional, com ênfase na responsabilidade individual, na liderança profissional e na autonomia.
Já na melhoria contínua da qualidade reinam a responsabilidade coletiva e participativa, a liderança gerencial e participativa, e a accountability organizacional.
Prestação de contas, responsabilização.
Em suma, o processo de melhoria contínua de qualidade envolve uma série de passos planejados para que certo conjunto de resultados ocorra:
1. O problema precisa ser identificado e dimensionado.
2. Uma equipe para conduzir o processo deve ser designada.
3. Os atores interessados no processo devem ser identificados, bem como os requisitos para o próprio processo.
4. As causas do problema devem ser identificadas a partir de sua análise.
5. Uma solução deve ser planejada, testada e implementada, cuidando-se para que resistências sejam satisfatoriamente gerenciadas.
6. O processo deve ser monitorado, considerando-se medidas de resultados pertinentes.
7. Ajustes devem ser feitos continuamente com base no processo de monitoramento.
8. Ajustar estratégias/ações e medir o resultado.
Sob qualquer circunstância, alguns atributos são absolutamente desejáveis (DONALDSON; GRAY, 1998):
Enfim, a melhoria de qualidade envolve mudanças, que devem estar baseadas nas necessidades e desejos dos pacientes, profissionais de saúde envolvidos no processo de trabalho como um todo e outros interessados.
Com isso, finalizamos o Tema 1.2. Agora, você pode avançar para o Tema 1.3. Abordagens para a medição e melhoria da qualidade da assistência à saúde.
O arcabouço da governança clínica, que aqui incorporamos como “gestão da clínica”, inova, em relação a abordagens já estabelecidas de medição e melhoria de qualidade do cuidado à saúde, quando propõe a sua integração para o aperfeiçoamento da qualidade.
O processo de melhoria de qualidade, por sua vez, é assumido como uma responsabilidade da organização de saúde como um todo e, em um nível mais amplo, do sistema de saúde como um todo, devendo envolver gestores e corpo clínico multiprofissional, com crescente valorização da ideia de prestação de contas (accountability) à sociedade.
Considerando as abordagens gerenciais, vai-se além da perspectiva de obtenção de um padrão de cuidado aceitável, característica da garantia de qualidade, assumindo-se rigorosamente o compromisso com a melhoria contínua de qualidade.
Veja a esse respeito o Quadro 1, a seguir.
Não interessam somente o desempenho médio satisfatório e a correção estrita de processos potencialmente inadequados, mas mudar o patamar de desempenho para níveis cada vez mais altos, junto com a redução da sua variabilidade.
Por outro lado, sob o conceito de melhoria contínua de qualidade, abordagens profissionais tais como a avaliação e o monitoramento da qualidade e a auditoria médica (Quadro 1) devem dar conta da identificação de discrepâncias entre o desempenho desejável e o observado, ou da revisão de práticas no processo de atenção à saúde, calcando-se em diretrizes clínicas que sistematizam as evidências científicas vigentes.
No ciclo de melhoria de qualidade (Figura 1), a apropriação de evidências acerca dos cuidados a determinado problema de saúde, para uma população com características clínicas definidas, que maximizam as probabilidades de ocorrência dos melhores desfechos, é inquestionavelmente desejável.
Diretrizes clínicas atualizadas, acessíveis e de alta qualidade constituem-se em ferramentas operacionais de grande utilidade para essa apropriação, provendo referência para a programação e alocação de recursos nos serviços de saúde, bem como para a avaliação e auditoria do processo de assistência observado de fato.
Idealmente, as diretrizes clínicas devem ainda fornecer padrões esperados para os resultados decorrentes do cuidado preconizado.
Finalmente, na medida em que se assume que o processo de melhoria de qualidade não é estritamente uma atribuição de indivíduos, mas da organização como um todo, a gestão da clínica requer, além das abordagens gerenciais e profissionais já mencionadas, a incorporação de abordagens organizacionais, focalizando a constituição de um ambiente propício às mudanças desejadas.
No âmbito organizacional fica a própria coordenação do processo de melhoria de qualidade, o que envolve, entre outros elementos, a gestão integrada da informação, a identificação de lideranças, a institucionalização de mecanismos de sensibilização e incentivo para a adesão de gerentes e equipes clínicas multiprofissionais ao projeto, e o estabelecimento de alianças ou redes com outras organizações.
Com isso, finalizamos o Tema 1.3. Agora, você pode avançar para o Tema 1.4. Objetivos, pontos-chave e desafios para a implementação da gestão da clínica.
O objetivo da gestão da clínica é, em última análise, propiciar uma mudança cultural com vistas à provisão de meios para o desenvolvimento da capacidade organizacional de distribuir cuidados de saúde sustentáveis, com qualidade e foco no paciente.
Neste sentido, reconhece-se que cinco componentes culturais devem ser focalizados (NICHOLLS et al., 2000):
Em suma, a perspectiva é de estabelecimento de um ambiente de aprendizado organizacional com a valorização do pessoal e a constituição de sistemas eficientes de suporte, onde erros possam ser transformados em oportunidades de aperfeiçoamento, e onde o foco seja firmemente o permanente aperfeiçoamento do cuidado ao paciente.
Os objetivos mais específicos da gestão da clínica são (DONALDSON; GRAY, 1998):

Com vistas ao alcance dos objetivos estabelecidos, é imprescindível a existência de um plano, que deve basear-se na avaliação objetiva das necessidades e pontos de vista dos pacientes, bem como do seu nível de exposição ao risco clínico.
Também deve-se considerar capacidades da equipe, necessidades de treinamento, requerimentos regulatórios e apreciação realista de como o desempenho observado se compara ao de serviços similares ou padrões alcançáveis pelas melhores práticas (HALLIGAN; DONALDSON, 2001).
Tal plano deve ser compartilhado verticalmente entre as equipes da organização.
Com algumas redundâncias, vale destacar ainda alguns pontos-chave da gestão da clínica (BUETOW; ROLAND, 1999; MASON et al., 2005; CHAMBERS et al., 2007). Clique nos itens abaixo para ver cada um:
Assume-se que o ambiente para a boa prática clínica requer o desenvolvimento individual das pessoas e o desenvolvimento organizacional:
A gestão da clínica é uma abordagem integrada que busca garantir a melhoria contínua da qualidade dos serviços de saúde, requerendo análise organizacional no sentido de entender a complexidade dos métodos de sucesso.
Deve desenvolver-se no nível da organização como um todo, não se restringindo aos esforços de indivíduos ou serviços na organização.
É importante a designação nominal de um indivíduo como responsável pela melhoria da qualidade da assistência.
A liderança clínica deve ser valorizada em conjunção com a necessidade de prestação de contas à sociedade.
Um fator-chave para o sucesso da gestão da clínica é a parceria entre grupos clínicos multidisciplinares e gestores de serviços.
Equipes efetivas devem comungar objetivos, definir claramente as contribuições esperadas das diversas disciplinas, facilitar a comunicação aberta entre seus membros e oferecer oportunidades para que estes aperfeiçoem suas habilidades.
As organizações devem ser claras quanto à forma pela qual o feedback de pacientes é usado para melhorar a qualidade dos serviços, devendo toda a equipe trabalhar centrada no paciente.
Para o paciente, dimensões de absoluta relevância incluem (NICHOLLS et al., 2000):
Por outro lado, a ideia de envolvimento do público abrange a consideração da perspectiva de outros atores, direta ou indiretamente relacionados ao processo de atenção, capazes de apontar deficiências ou expectativas relevantes para o aperfeiçoamento da qualidade.
A gestão da clínica tem como foco o processo do cuidado, incluindo a decisão clínica, conceitos de adequação, efetividade e total incorporação dos princípios do cuidado baseado em evidências.
O uso de diretrizes clínicas atualizadas, acessíveis e de alta qualidade deve ser disseminado, provendo referência para a programação e alocação de recursos nos serviços de saúde, bem como para a avaliação e auditoria do processo de assistência de fato observado.
A provisão de informações por si só não muda o comportamento do clínico, sendo necessárias estratégias múltiplas para a mudança da prática clínica.
A gestão da clínica deve incluir métodos de medição e melhoria da qualidade (por exemplo, avaliação e monitoramento da qualidade, auditoria e gestão do risco), gestão de pessoal incluindo programas de desenvolvimento profissional (educação continuada e treinamento), mecanismos de incentivo para a adesão da equipe ao projeto, bem como pela obtenção de bons desempenhos etc.
As condições necessárias para a realização das melhores práticas no cuidado à saúde devem estar no lugar certo, no momento certo e funcionando corretamente todo o tempo.
O uso de diretrizes clínicas permite a programação dessas condições.
É fundamental buscar a excelência na seleção, gerência e uso efetivo de informações e dados para subsidiar a tomada de decisões.
As informações e os dados, por sua vez, precisam ser válidos, atualizados e apresentados de forma clara.
O uso de informação com propósitos não clínicos deve ser feito somente mediante justificativa do propósito, preservando a privacidade dos pacientes e evitando ao máximo qualquer possibilidade de sua identificação.
Todos os profissionais com acesso a dados passíveis de identificar pacientes devem estar conscientes de suas responsabilidades.
A gestão do risco tem diferentes aplicações.
Em termos mais imediatos, é fundamental para a definição de qual paciente ou grupo de pacientes se está falando. A rigor, boas práticas clínicas são relativas a pacientes específicos, sendo a sua caracterização clínica ou classificação da sua gravidade insumos preciosos para a definição adequada das condutas a serem adotadas. Por outro lado, também servem à programação de serviços e à predição do uso de recursos.
Sob outra perspectiva, a comunicação e gestão do risco, junto a pacientes individuais, diz respeito à identificação de caminhos para explicar riscos e elucidar valores e preferências, dando-lhes subsídios para assumir riscos ou escolher entre alternativas que envolvam diferentes riscos e benefícios.
Enfim, há também de se considerar a gestão de risco clínico ou organizacional voltada para a predição e minimização das chances de ocorrência de erros ou eventos indesejados, tais como descontinuidade do cuidado, ou baixo investimento na capacitação de pessoal, cumprindo a premissa de que é “melhor prevenir do que remediar”.
A gestão da clínica pressupõe a prestação de contas à sociedade do processo de atenção à saúde.
Tal prestação de contas destina-se ao público em geral, que anseia por padrões elevados de atenção, às organizações profissionais, que devem zelar pela manutenção de padrões de conhecimento e habilidades das profissões individualmente, e ao governo ou financiadores, que esperam elevada qualificação da sua força de trabalho.
Manter um bom padrão de prática médica envolve aprendizado contínuo, com ênfase em programas de ensino e treinamento.
Enfim, numa dinâmica circular que envolve revisão de problemas, concordância acerca de soluções, implementação das soluções e demonstração dos resultados, é fundamental para a implementação bem-sucedida da gestão da clínica a capacidade de demonstração do sucesso, através do monitoramento contínuo da qualidade dos serviços.
Para finalizar, não se pode ignorar os enormes desafios para a implementação da gestão da clínica a serem enfrentados, entre os quais se destacam (DONALDSON; GRAY, 1998; CHAMBERS et al., 2007):
Vencer barreiras comportamentais, haja vista o enorme corporativismo que domina as profissões da saúde, bem como a dificuldade inerente à mudança de cultura.
Compreender melhor a medicina baseada em evidências, aproveitando a oportunidade que ela oferece para a integração coerente de diferentes iniciativas, nos âmbitos profissional, gerencial e organizacional, para a melhoria de qualidade do cuidado à saúde.
Aprimorar a detecção de problemas de desempenho da atenção à saúde, fazendo correções em estágios iniciais.
Entender o porquê das variações na qualidade do cuidado à saúde, explorando caminhos para a redução das desigualdades.
Entender e gerenciar os riscos clínicos e organizacionais.
Acordar que indicadores de desempenho de sistemas e serviços de saúde são aceitáveis para profissionais de saúde e gestores indiferentemente.

Caso queira aprofundar-se nesse tema, leia também o artigo A clínica ampliada e compartilhada, a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teórico-operacionais para a reforma do hospital, de autoria de Gastão Wagner de Sousa Campos e Márcia Aparecida do Amaral, publicado no periódico Ciência & Saúde Coletiva, em 2007.
Com isso, finalizamos o Tema 1.4. Agora, você pode avançar para o Módulo 2. Utilização de serviços de saúde – principais conceitos.