Módulo 1As evidências orientadoras das políticas e das decisões cotidianas nos serviços de saúde

Introdução

Este módulo, no qual utilizaremos a gestão baseada em evidências como um conceito estruturante para a gestão eficiente em saúde, está organizado em dois temas:

  • Tema 1.1. A gestão baseada em evidências (GBE)
  • Tema 1.2. A implementação da gestão baseada em evidências

Para continuar seus estudos, siga para o Tema 1.1. A gestão baseada em evidências (GBE).

Tema 1.1A gestão baseada em evidências (GBE)

Segundo Mendes (2019):

MENDES, E.V. Desafios do SUS. CONASS: Brasília,2019. Disponível em: https://www.conass.org.br/ biblioteca/desafios-do-sus. Acesso em: 22 nov 2022.
"Fazendo as coisas certas de forma certa – É o desafio que se coloca para os gestores dos sistemas de atenção à saúde. Já não basta ser eficiente e prover serviços de qualidade, mas também adotar os procedimentos que fazem mais bem que mal às populações ou a grupos populacionais, afastar os procedimentos que fazem mais mal que bem e afastar os procedimentos de efeitos desconhecidos até que pesquisas científicas rigorosas os indiquem ou os contraindiquem. " (MENDES, 2019, p. 78).

Essa citação nos convida a refletir sobre o processo de tomada de decisões no setor saúde, que não pode se basear apenas nos valores de um grupo e na disponibilidade de recursos. A tomada de decisões, ou seja, a forma como se encaminham as soluções para os problemas de saúde, precisa ser informada também pelas evidências organizacionais, políticas e científicas.

  • A evidência organizacional procura responder às seguintes questões: essa solução é factível? Dispomos de recursos e capacidade para executá-la?
  • A evidência política procura responder às seguintes questões: é viável? Como os diferentes atores sociais – políticos, gestores, prestadores de serviços e pessoas usuárias – vão reagir diante da nova política?
  • A evidência científica provém de pesquisas científicas ou estudos avaliativos rigorosos.
A análise das evidências organizacional e política se relaciona com o momento estratégico do planejamento; enquanto a análise das evidências científicas se refere ao momento explicativo, conforme visto na unidade anterior.

Assim, a gestão baseada em evidências (GBE) – também denominada gestão informada por evidências, política de saúde informada por evidências ou de atenção à saúde informada por evidências – é uma ferramenta emergente para que possamos construir modelos de atenção à saúde (e também processos de trabalho) com qualidade e otimização de custos, uma vez que é orientada pela análise sistemática de situações e problemas de saúde vinculada à tomada de decisões para resolvê-los.

A GBE surge da necessidade:

  • de incrementarmos a base científica das decisões;
  • do uso racional da tecnologia diagnóstica e terapêutica;
  • do estudo e controle da variabilidade da prática clínica;
  • e, consequentemente, de criarmos panoramas de desempenho mais promissores e efetivos nos serviços de saúde.

Isso quer dizer que a GBE surge da necessidade de os profissionais e gerentes de saúde conhecerem melhor uma questão ou problema para que as soluções sejam realmente eficazes.

A superação da prática do desencadeamento de ações aleatórias e dispersas, a partir de ideias superficiais e orientações difusas, exige dos profissionais em geral, e dos gerentes em especial, a tomada de decisão e a coordenação de projetos de intervenção (para resolver situações consideradas indesejáveis) baseados no contexto, na experiência, na criatividade, na intuição, mas também na utilização das evidências científicas em um ambiente de compreensão dos valores sociais e institucionais. Ou seja, além das evidências científicas, há que se ter em conta as evidências organizacionais e políticas.

Nesse sentido, a resolução de problemas deve estar embasada nas seguintes perguntas:

  • O que você acha dessa proposta?
  • Há recursos para implementá-la?
  • Há evidências que dão suporte a essa proposta?
GRAY, J. A. M. Evidence-based healthcare and public health: how to make decisions about health services and public Health. 3th ed. London: Churchill Livingstone, 2009.

Ou seja, os gestores devem ter competência para fazer as perguntas certas, além de compreender e utilizar os critérios de evidência para implementar mudanças que sejam efetivas (GRAY, 2009).

Em síntese, as razões para incorporação da gestão dos sistemas de serviços de saúde baseada em evidências são:

  • Os profissionais têm necessidade de atualizar seus conhecimentos em tempo limitado, precisando de meios eficientes para encontrar, avaliar e aplicar a melhor evidência em sua prática clínica. Aqui se aplicam as terminologias “medicina baseada em evidências”, “odontologia baseada em evidências” e outras, dependendo da área de atuação, ou, genericamente, “clínica baseada em evidências”.
  • Os gerentes de saúde precisam de bases científicas para tomar decisões e distribuir os escassos recursos disponíveis.
  • Os cidadãos necessitam de cuidados em saúde com qualidade, mas, também, precisam entender as razões de cada decisão clínica, quando estão como pacientes, ou das decisões gerenciais para o efetivo exercício do controle social no sistema de saúde.

Examine a Figura 1:

Figura 1 – Os componentes da gestão baseada em evidências

Observamos nessa figura que a evidência científica faz parte do processo de tomada de decisão na gestão, mas não sozinha, ou seja, a identificação da evidência científica que seja relevante e válida, e que demonstre um efeito importante, não irá determinar, automaticamente, o que deve ser feito mediante a provisão de respostas padrão, mas, sim, fornecerá as bases nas quais as decisões podem ser tomadas após a consideração de outros aspectos relacionados a cada situação em particular.

Sem dúvida, no processo de tomada de decisão baseada em evidências nos serviços de saúde, o desafio maior é estabelecer a relação entre as evidências e o contexto (valores, recursos disponíveis, experiência, criatividade e intuição) na implementação das mudanças.

"O crescimento contínuo das pressões de diferentes atores sociais sobre os recursos escassos dos sistemas de atenção à saúde, acelerado pelas demandas de grupos informados de pessoas usuárias, da mídia, dos profissionais de saúde e de outros grupos de interesse, força os gestores a tomar decisões mais abertas e a prestar contas dessas decisões. Dessa forma, à medida que a pressão aumenta, haverá uma transição da decisão baseada em opinião para a decisão baseada em evidência " (MENDES, 2019, p. 79).

Finalizando este tema, vale ressaltar que a GBE propicia não somente melhor qualidade das intervenções, mas, também, sua compreensão mais profunda em um ambiente de aprendizagem permanente, tanto para os trabalhadores quanto para a organização.

Leitura complementar

Para aprofundar seus estudos, recomendamosa leitura dos artigos:

Como usar a abordagem da Política Informada por Evidência na saúde pública? (RAMOS; SILVA, 2018)

O conhecimento científico e tecnológico como evidência para políticas e atividades regulatórias em saúde (BARRETO, 2004), também disponíveis na Biblioteca do curso.

Com isso finalizamos o Tema 1.1. Agora, você pode avançar para o Tema 1.2. Implementação da gestão baseada em evidências.

Tema 1.2Implementação da gestão baseada em evidências

Vimos, até agora, a importância da gestão baseada em evidências nos sistemas de saúde atuais.

Mas como podemos operacionalizar a gestão de serviços de saúde baseada em evidências?

Essa operacionalização pode ser feita em três estágios, conforme mostra a figura. Clique em cada estágio para saber mais:

Produção das evidências
X

As evidências científicas são produzidas por pesquisadores, enquanto as evidências organizacionais e políticas são produzidas pelos gestores e trabalhadores da saúde em uma atitude proativa de reflexão e análise do ambiente de trabalho e das situações-problema a serem enfrentadas.

Utilização das evidências
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As evidências disponíveis são recolhidas e transformadas em políticas de saúde ou incorporadas na gestão cotidiana dos serviços de saúde, com vistas a determinar cursos de ação (planejamento) ou para alocar os recursos de forma efetiva, eficiente e equitativa.

Disponibilização das evidências
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São as publicações científicas e as bases de dados tanto de informações científicas quanto técnicas, como os relatos de experiências bem-sucedidas.

Sobre a disponibilidade das evidências, ressaltamos que, tão importante quanto saber da existência de uma informação, é saber como e onde podemos obtê-la.

Diversos sites incluem material especializado em áreas específicas do conhecimento. Esse material pode incluir textos completos de documentos de trabalho, relatórios de pesquisa, bibliografias, dados estatísticos, notícias de eventos, arquivos com textos de grupos de discussão ou de grupos de notícias.

Como veremos a seguir, há diversos serviços nacionais e internacionais on-line que procuram catalogar os materiais disponíveis na rede. Vários deles incluem mecanismos de busca por palavra-chave, pesquisando um número muito grande de locais.

Alguns têm acesso restrito, mas a grande maioria é de utilização livre.

Sugerimos alguns sites de busca de periódicos (revistas) e artigos científicos relacionados à ciência da saúde.

Esses artigos podem ser encontrados por: autor, assunto, ano de publicação, palavras do título ou do resumo, entre outros. Você terá acesso à coleção dos periódicos conforme notas explicativas de cada site e poderá fazer download do artigo com o texto completo.

Se a busca for por assunto com mais de uma palavra, deveremos escrevê-lo entre aspas. Por exemplo, se quisermos fazer uma pesquisa sobre a atenção primária, colocamos essa expressão ente aspas – “atenção primária” –, pois, do contrário, teremos um resultado pouco objetivo com todos os artigos que contenham, isoladamente, as palavras “atenção” ou “primária”. Quando colocamos aspas, significa que queremos localizar apenas a frase exata.

Essas são apenas noções gerais.

Para realmente aprender a fazer pesquisa na internet, você deverá ler as notas explicativas existentes em cada site e conhecer bem seus recursos e formas de busca disponíveis.

Leitura complementar

Conheça alguns sites que disponibilizam publicações, informações e dados científicos:

Biblioteca Virtual em Saúde Pública.

SciELO – Scientific Electronic Library Online (revistas nacionais).

Portal Brasileiro de Informação Científica ou Portal CAPES (textos completos do Brasil e outros países).

DATASUS (informações sobre o Sistema Único de Saúde e perfil de morbimortalidade da população brasileira).

PubMed (publicações sobre medicina e ciências afins).

As questões abordadas até agora demonstram que as competências do pessoal dos serviços de saúde – profissionais em geral e gestores em especial – envolvem:

  • fazer as perguntas certas;
  • avaliar a qualidade das evidências apresentadas;
  • avaliar a qualidade das pesquisas científicas; e
  • implementar as mudanças exigidas pelas evidências, incorporando os valores institucionais e sociais.

Há que se ressaltar a importância da gestão baseada em evidências no âmbito do enfrentamento da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-COV-2. Os países que mais se destacaram na proteção aos cidadãos foram aqueles em que as autoridades sanitárias financiaram grupos de pesquisa para a produção de evidências sobre o comportamento do vírus, tanto no nível individual quanto no coletivo, bem como utilizaram essas evidências nas políticas de controle da pandemia.

Leitura complementar

Para saber mais sobre a importância da gestão baseada em evidências no âmbito do enfrentamento da pandemia, assista à conferência intitulada “A pandemia da Covid-19, as práticas de saúde baseadas em evidências científicas e a produção de conhecimento no SUS”, realizada em julho de 2021 e disponível no canal da Fiocruz no YouTube.

A título de considerações finais...

A gestão eficiente em saúde envolve um conjunto de iniciativas que buscam dar respostas às necessidades dos serviços para a resolução dos problemas de saúde.

Entre essas iniciativas, destacamos aqui a importância da tomada de decisão e da coordenação de projetos de intervenção baseados na experiência, na criatividade, na intuição e, também, na utilização dos critérios de evidência científica (em especial, a epidemiologia) em um ambiente de compreensão dos valores sociais e institucionais.

Tal movimento pode contribuir para a redução da lacuna existente entre a teoria (conhecimento) e a prática (ação) dos serviços e entre as agendas de pesquisa acadêmica e governamental para esse setor, tornando mais aplicado o próprio processo de produção do conhecimento.

BRONFMAN, M.; LANGER, A.; TROSTLE, J. De la investigación en salud a la política: la difícil traducción. México (DF): Instituto Nacional de Saúde Pública, 2000.

As pessoas que se propõem a dar consistência ao seu trabalho de gestão (no caso dos gerentes) e/ou na gestão do seu próprio trabalho (no caso de profissionais de saúde) necessitam buscar e processar criticamente as informações disponíveis e adequá-las ao contexto apropriado da decisão. Nesse sentido, as noções aqui apresentadas devem servir para a construção de projetos de intervenção em situações-problema que contribuam com algo novo, guiando os atores para melhores decisões, redefinindo problemas conhecidos de maneira inovadora ou mobilizando apoios para as diferentes propostas (BRONFMAN; LANGER; TROSTLE, 2000).

É nesse contexto que no próximo módulo desenvolveremos o método usado neste curso para a resolução de situações-problema relacionadas à gestão em saúde, tomando como objeto de exercício e análise o contexto do seu local de trabalho, tendo em vista a transformação de uma realidade considerada insatisfatória.

Com isso, encerramos o estudo deste módulo. Agora, você pode avançar para o Módulo 2. Os projetos de intervenção em situações-problema relacionadas à gestão em saúde.