Módulo 3Momento Explicativo do PES: realizando o diagnóstico da situação de saúde

Introdução

O Módulo 1 nos apresentou os atributos de uma rede de serviço sde saúde e o Módulo 2, os atributos básicos do planejamento em saúde. Agora vamos aprofundar o entendimento sobre os momentos do PES, tomando a organização da rede de serviços como contexto de análise.

Para isso, apresentaremos os diversos componentes da análise das situações de saúde, descrevendo seus objetivos e limitações, assim como os conceitos de estrutura, processo e resultado.

No campo da organização dos serviços de saúde, o Momento Explicativo também é denominado “diagnóstico de situação”, pois se aproxima mais de uma fotografia da realidade, sem perder de vista o conceito de "situação" que vimos no módulo anterior.

Foto: Sesa/CE.

Por exemplo, para sabermos como organizar (ou reorganizar) os serviços em uma determinada região de saúde na perspectiva de uma rede, ou mesmo organizar um serviço em uma unidade ou um setor, é preciso conhecer os aspectos relacionados tanto às características demográficas e epidemiológicas quanto à informação relativa ao conjunto de recursos disponíveis e/ou necessários para atenção à saúde dessa população.

SILVA, Carine Silvestrini Sena Lima da; KOOPMANS, Fabiana Ferreira; DAHER, Donizete Vago. O Diagnóstico Situacional como ferramenta para o planejamento de ações na Atenção Primária a Saúde. Revista Pró-UniverSUS, v. 7, n. 2, p. 30-33, jan./jun.2016.

O diagnóstico de situação é o resultado de um processo de coleta, tratamento e análise dos dados colhidos no local onde se deseja realizá-lo. Ele pode ser considerado uma das mais importantes ferramentas de gestão, constituído por “pesquisa” das condições de saúde e risco de uma determinada população, para posteriormente planejar e programar ações (SILVA; KOOPMANS; DAHER, 2016).

Nessa perspectiva, este módulo está organizado em quatro temas:

  1. Tema 3.1. A análise da situação de saúde
  2. Tema 3.2. Análise das condições de vida e saúde
  3. Tema 3.3. Diagnóstico de estrutura e de desempenho dos serviços de saúde
  4. Tema 3.4. A análise situacional como identificação de problemas e suas causas

Agora você pode avançar para estudar o Tema 3.1. A análise da situação de saúde.

Tema 3.1A análise da situação de saúde

Como dissemos anteriormente, o processo de planejamento parte da constatação de situações consideradas inadequadas, que podem ser chamadas de problemas, e que, por essa razão, devem ser modificadas. Para que essas modificações ocorram, é necessário primeiramente que se realize uma análise da situação de saúde, isto é, uma análise das condições de vida e saúde, do diagnóstico de estrutura e de desempenho dos serviços de saúde para que se possa identificar, priorizar e explicar os problemas de saúde de uma determinada população que vive ou trabalha num determinado território.

Além da identificação dessas situações, é preciso conhecer os fatores que condicionam ou determinam tais problemas; por isso chamamos esse processo de Momento Explicativo. Esse julgamento pode (e deve) ser realizado por meio de diferentes abordagens, iniciando-se pela análise cuidadosa da informação disponível e, utilizando a experiência e o conhecimento da equipe que planeja acerca da realidade em questão.

Foto: Governo do Estado do Rio de Janeiro

Existe uma tendência de que o diagnóstico seja visto como uma tarefa de grande amplitude e profundidade, em que se buscam dados acerca de todos os aspectos supostamente relacionados, por exemplo, no caso de um território, todos os dados demográficos, epidemiológicos, recursos existentes – físicos, materiais, humanos, financeiros – etc. No entanto, na medida em que esses dados não são trabalhados de forma a produzir informações, não é possível efetivamente realizar um diagnóstico que informe a decisão.

Essa distinção entre dados e informação é muito importante: os primeiros são a matéria-prima da produção da informação, que é o “dado trabalhado”. A informação é o resultado da análise e combinação de dados, é o conhecimento obtido a partir dos dados, que requer interpretação para ser produzido.

Não é verdade que quando se inicia o diagnóstico (seja ele dirigido a uma área definida, a um serviço de saúde ou a um grupo populacional) inicia-se também um processo em que se “escreverá sobre uma folha em branco”, ou seja, em que não se sabe nada sobre a situação, e que apenas as informações que serão colhidas “objetivamente” informarão o diagnóstico.

Foto: Raquel Portugal/Fiocruz Imagens

Na realidade, essa análise é precedida e informada por algum modelo que já está presente na cabeça de quem a realiza, esteja esse modelo explícito ou não. Assim, por exemplo, é usual que, ao se realizar o diagnóstico em saúde de uma área, se busquem informações quanto ao número de gestantes ou de mulheres em idade fértil. Mas não é comum que se busquem informações sobre o número de deficientes visuais, por exemplo. Evidentemente, nada nos diz que deficiência visual não é um problema de saúde.

A razão pela qual não se busca essa informação é que, ao contrário dos programas de pré-natal e de atenção à mulher em idade fértil, sempre presentes em qualquer modelo de intervenção, não temos proposta dirigida aos deficientes visuais. Por isso, não se busca essa informação e não se considera que essa condição seja um problema.

Portanto, recorrendo ao enfoque estratégico, percebe-se claramente que não há diagnóstico neutro, que há quase tantos diagnósticos quanto observadores. Daí a importância do conceito de “situação” e do planejamento “participativo”.

Foto: Radis Comunicação em Saúde.

Muito raramente, dispõe-se de todas as informações que se considerariam necessárias ao planejamento. No entanto, com base apenas nas informações rotineiramente disponíveis, é possível construir hipóteses a partir das quais iniciar o trabalho. Na medida em que se implementem as propostas, o próprio processo de monitoramento da implementação poderá́ apontar as lacunas de conhecimento existentes e direcionar a instituição aos sistemas de informação que possam supri-las.

Muitas vezes perde-se de vista essa função prática do diagnóstico com vistas à ação e produzem-se estudos muito extensos que dão origem a documentos minuciosos e prolixos; são tantos os problemas detectados, e de tão variadas causas, que não permitem a definição de estratégias de intervenção. Não é incomum que o processo de planejamento se restrinja quase que exclusivamente a esse momento e que o plano seja muito mais uma apresentação de problemas do que de estratégias de ação para enfrentá-los.

Foto: LABHacker CD

Cabe ressaltar que, nesta unidade, o objetivo a ser alcançado é a organização de redes de atenção à saúde. Nesse sentido, vamos orientar nossa discussão e a escolha das dimensões a serem estudadas para alcançar esse objetivo. Portanto, abordaremos aspectos mais gerais que envolvem um sistema de saúde, mas que também podem ser utilizados em um sistema local.

Agora você pode avançar para o Tema 3.2. Análise das condições de vida e saúde.

Tema 3.2Análise das condições de vida e saúde

Foto: Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Para uma primeira aproximação à área em análise é imprescindível providenciar um mapa da região ou do município a ser trabalhado. Nesse mapa, serão localizadas as principais vias de transporte existentes (estradas principais, ferrovias etc.) e as barreiras naturais mais importantes (montanhas, rios etc.). Se a população estiver distribuída de forma desigual, é importante indicar os principais núcleos populacionais, áreas de favelas ou grandes conjuntos habitacionais, por exemplo. Por fim, é fundamental situar os serviços de saúde, diferenciados por função (centros de atenção primária, serviços especializados, hospitais etc.).

Ao analisar o mapa, já será possível perceber os principais aglomerados populacionais e identificar possíveis desigualdades na oferta de serviços, determinando imediatamente as áreas de maior e menor oferta de serviços. Essa visualização será fundamental para a análise dos determinantes sociais, das condições de saúde e de alguns aspectos da estrutura e desempenho dos serviços.

Foto: IBGE

A primeira coisa a fazer é selecionar e analisar informações relevantes ao objetivo do diagnóstico, a partir dos dados disponíveis, permitindo à equipe uma visão geral da área e uma aproximação inicial que certamente suscitará muitas questões.

Lembre-se de que qualquer ação de análise é um processo que requer aproximações sucessivas. Assim, sempre devemos partir do mais geral para o mais específico e só buscar informações adicionais a partir das perguntas formuladas.

Nunca se deve iniciar a análise situacional buscando todas as informações disponíveis de uma só vez, porque há sério risco de se afogar em números que pouco ou de nada servirão para orientar as ações.

Dos indicadores utilizados para tal elaboração, alguns expressam as condições de vida e saúde da população de um determinado território, constituindo o que se pode denominar de dimensões, tais como: demográficos, socioeconômicos, ambientais, epidemiológicos, dentre outros que são estudados por diversos campos do conhecimento.

Outros relacionam-se à oferta de serviços e recursos a serem utilizados pela população em função das suas demandas/necessidades e a forma efetiva como estão operando. Nesse caso são dimensões da estrutura e desempenho de serviços de saúde.

Foto: Radis Comunicação e Saúde

Para se analisar as diferentes dimensões a serem consideradas, é possível e desejável a utilização de uma combinação de abordagens metodológicas quantitativas e qualitativas.

Ou seja, para a aproximação ao diagnóstico das condições de saúde de uma população, utiliza-se uma ampla gama de informações que expressam as diferentes características sociais, econômicas e culturais, além do perfil de morbimortalidade, utilizando-se indicadores relacionados às dimensões socioeconômicas, ambientais e epidemiológicas.

São exemplos de indicadores ambientais, socioeconômicos e demográficos:

  • estrutura da população (faixa etária, densidade demográfica, distribuição urbano-rural);
  • esgotamento sanitário, coleta de lixo, abastecimento de água e fatores físicos, químicos e biológicos do ambiente capazes de provocar agravos à saúde;
  • renda per capita, PIB per capita, nível de escolaridade, taxa de analfabetismo, tipo de ocupação e outros.
Foto: PNUD

É importante ressaltar que o levantamento das informações acima só fará sentido se relacionadas às condições de saúde. Lembre-se de que as informações colhidas para a análise situacional são para ser utilizadas e não para cumprir uma formalidade. É preciso utilizar a informação, o conhecimento e a experiência disponíveis para a elaboração de hipóteses, que levarão ao aprofundamento da análise.

Assim, por exemplo, em uma área com melhores condições de vida, em que a população apresente possibilidades de habitação e de saneamento mais favoráveis, níveis mais altos de emprego, renda e escolaridade, pode-se imaginar que encontraremos menores taxas de mortalidade infantil por doenças infecciosas e outras doenças diretamente relacionadas à pobreza.

Por outro lado, poderá haver pessoas de faixas etárias mais altas utilizando serviços de saúde de forma intensa para tratamento de doenças crônico-degenerativas e cardiovasculares, em especial hipertensão arterial, diabetes e neoplasias. Poderemos encontrar, também, um grupo maior em risco de acidentes por queda da própria altura, com possível fratura de colo de fêmur, por exemplo. Essa análise vai influenciar o diagnóstico de serviços existentes na área: estão eles em acordo com o perfil epidemiológico da população?

Foto: Radis Comunicação em Saúde

Cabe destacar duas questões relevantes quando se analisa o perfil de morbidade.

A primeira é que os indicadores de morbidade expressam apenas parte dos casos: aqueles que procuraram os serviços de saúde e, mais importante, conseguiram ser atendidos, o que nem sempre é o mesmo.

A segunda é que a demanda observada em um serviço de saúde é também em função da oferta. Se no município A existe um serviço de oftalmologia que funciona bem e no município B não, ao comparar os dados da demanda atendida, não se pode dizer que o município A apresenta maior incidência de problemas oftalmológicos que o município B.

No entanto, ainda que não se possa dispor de toda informação desejada, para os objetivos da programação é sempre possível construir hipóteses de trabalho a partir da informação existente, utilizando-se o conhecimento epidemiológico e a experiência dos profissionais envolvidos na prestação de serviços na área.

Outra forma de conhecer os problemas de saúde de uma população é realizando investigação por meio de inquéritos epidemiológicos. No entanto, embora fundamental para a produção de conhecimento, requer a aplicação rigorosa de metodologias investigativas, pressupondo conhecimento especializado, longo tempo de preparação, aplicação e análise de resultados.

A partir dos elementos apresentados, é possível construir uma primeira aproximação às principais características da população e de seu perfil epidemiológico, ao qual outras informações devem ser acrescentadas, como forma de aprofundar o conhecimento das necessidades de saúde da população.

Esse conhecimento é (ou deveria ser) central para a definição/adequação do perfil assistencial da rede que se quer instituir, de forma a cumprir os objetivos de se aproximar às necessidades da população.
Foto: EBSERH

Você já viu no Módulo 3, da UA 2, alguns indicadores demográficos e epidemiológicos utilizados na caracterização das condições de vida e saúde das populações.

Para finalizar este tema, vamos fazer outras considerações, detalhando um pouco mais os indicadores de saúde.

RIPSA. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2008.

Tanto para realizar a análise como para definir metas a serem alcançadas e fazer o acompanhamento do plano, são utilizados indicadores. Em termos gerais, eles são medidas-síntese que capturam informação relevante sobre distintos atributos e dimensões do estado de saúde de uma população e do desempenho do sistema de saúde. Vistos em seu conjunto, buscam refletir a situação sanitária de uma população e são utilizados para a vigilância das condições de saúde (RIPSA, 2001).

A construção de um indicador é um processo cuja complexidade pode variar desde uma simples contagem direta do número de casos de uma determinada doença até o cálculo de proporções, taxas ou índices mais sofisticados, como a esperança de vida ao nascer.

Foto: Ministério da Saúde

A qualidade de um indicador depende fundamentalmente da qualidade dos componentes utilizados em sua construção, como a frequência de casos e o tamanho da população em questão – quando qualquer um dos dois é muito pequeno não é possível construir indicadores –, e da qualidade dos sistemas de informação, coleta e registro de tais dados.

A qualidade e a utilidade de um indicador são primordialmente definidas pela sua validade – se efetivamente medem o que se busca medir – e sua confiabilidade – se a medição repetida em condições similares produz o mesmo resultado.

Outros atributos de qualidade dos indicadores são:

  • especificidade – detecta somente o fenômeno que se quer medir;
  • sensibilidade – detecta as mudanças no fenômeno que se quer medir;
  • mensurabilidade – baseia-se em dados disponíveis ou fáceis de conseguir;
  • relevância – fornece respostas claras às questões consideradas prioritárias;
  • custo-efetividade – quando os resultados justificam o tempo e dinheiro investidos.

Considerando os processos de planejamento e gestão em saúde, os indicadores são instrumentos valiosos, desde que gerados rotineiramente no âmbito de um sistema de informações que opere de forma dinâmica. Para que os usuários possam ter confiança sobre a informação produzida, é necessário o monitoramento da qualidade dos indicadores, a revisão periódica da consistência da série histórica de dados e a disseminação da informação de forma oportuna e regular.

Há uma enorme quantidade de indicadores que podem ser utilizados para a avaliação das condições de saúde de uma população e do desempenho dos sistemas. No entanto, assim como foi dito para o diagnóstico, é fundamental considerar o que se deseja medir e qual o objetivo da mensuração para que seja feita a escolha do indicador. A utilização de indicadores sem clareza dos objetivos e sem que se considerem os atributos de qualidade listados acima esvazia a função avaliação, tornando o uso de indicadores uma tarefa meramente burocrática.

Foto: rawpixel.com

É importante ressaltar que, do ponto de vista da elaboração do plano, os indicadores, quando utilizados para a quantificação de objetivos e metas, representam (ou deveriam representar) a etapa final de todo um processo de diagnóstico e de cuidadosa elaboração de estratégias de intervenção. As metas expressam compromissos a serem cumpridos para que se alcancem os objetivos. Portanto, os indicadores são o resultado do processo de planejamento.

Uma lista de indicadores a serem cumpridos ou “pactuados” sem que exista por trás um processo de planejamento – diagnóstico da situação atual, identificação de problemas, definição de estratégias para enfrentá-los, definição dos recursos para tal e as estratégias para alcançá-los – é apenas uma lista, sem compromisso nenhum com intervenção e mudança real.

Para conhecer a conceituação, fontes de informação e o método de cálculo dos indicadores consulte na biblioteca do curso a publicação Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações, da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa)/Opas.

No site do Proadess, Projeto de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro, desenvolvido pelo Icict/Fiocruz, você encontrará uma matriz de indicadores para avaliação de diferentes dimensões das condições de vida e saúde e do desempenho do sistema.

Vamos fazer uma atividade de autoavaliação antes de seguirmos para o próximo tema.

Atividade de autoavaliação

Suponhamos que você faça parte de um projeto para investigar a relação entre os determinantes da saúde, a mortalidade infantil e o desempenho dos serviços de saúde de uma determinada região. No site do Proadess, que indicadores você utilizaria para analisar a situação?

Digite suas ideias no espaço a seguir e, quando terminar, clique no botão Salvar. Depois, veja se você considerou, em sua resposta, os pontos destacados nos comentários.

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Agora você pode avançar para o estudo do Tema 3.3. Diagnóstico de estrutura e de desempenho dos serviços de saúde.

Tema 3.3Diagnóstico de estrutura e de desempenho dos serviços de saúde

Foto: Agência Brasília.

O diagnóstico de estrutura e de desempenho dos serviços de saúde envolve uma série de aspectos fundamentais para a sua realização. Por isso, organizamos este tema nos seguintes tópicos:

  • Estrutura, processo e resultados
  • A busca e a análise da informação
  • Um recurso-chave: os trabalhadores da saúde
  • Financiamento
  • Função condução/gestão

Vejamos cada um deles.

DONABEDIAN, A. Explorations in quality assessment and monitoring: the definition of quality and approaches to its assessment. Ann Arbor: Health Administration Press, v. 1, 1980.
a) Estrutura, processo e resultados

Para a realização do diagnóstico de estrutura e desempenho dos sistemas e serviços de saúde vamos partir da clássica definição de Donabedian (1980), acerca das abordagens da avaliação: estrutura, processo e resultado. Conheça a seguir cada uma delas:

Estrutura

A estrutura diz respeito às características relativamente estáveis dos serviços de saúde, aos instrumentos e recursos disponíveis e às configurações físicas e organizacionais nas quais operam. O conceito de estrutura inclui o número, características e distribuição de serviços e equipamentos; o número e qualificação dos trabalhadores de saúde; e a forma como a atenção é organizada, financiada e provida. Assim, podemos dizer que a estrutura diz respeito a recursos – capacidade instalada –, financiamento e gestão.

A estrutura dos sistemas e serviços de saúde relaciona-se diretamente com o seu desempenho, condiciona sua operação e permite conhecer a capacidade, o potencial para desenvolver determinado processo de trabalho.

Processo

Por processo compreende-se o conjunto de atividades que envolvem os profissionais e os usuários. Engloba o componente técnico do cuidado – todos os procedimentos diagnósticos e intervenções terapêuticas – e o componente da relação interpessoal.

Resultado

Por resultado compreendem-se mudanças em saúde, presentes ou futuras, que podem ser atribuídas ao cuidado em saúde anteriormente recebido. Podem ser utilizados indicadores, tais como taxa de mortalidade, grau de satisfação do paciente, entre outros.

O próprio Donabedian (1980) ressalta que, embora essa formulação tenha significado teórico e operacional, nem sempre é fácil classificar um fenômeno específico sob uma das três abordagens. Isso porque a formulação é uma abstração do que em realidade pode ser descrito como uma sucessão de elos numa corrente. Cada elo – estrutura, processo, resultado –, pelo menos até certo ponto, é causa do elo que o segue, ao mesmo tempo que resulta do elo que o precede. Os objetivos e perspectivas do processo de avaliação é que vão determinar que segmento da corrente será analisado, e o que será considerado um meio e o que será considerado um fim.

Isso não é tão simples quando lidamos com questões complexas, como a saúde e o cuidado, cuja análise é dominada pela multicausalidade. Na medida em que existam dúvidas acerca do vínculo causal entre determinados elementos do processo e determinado resultado, o uso desses elementos ou desses resultados como indicadores de qualidade é igualmente duvidoso.

Se alguém escolhe, por exemplo, mortalidade como critério para avaliação da qualidade do cuidado a pacientes muito graves ou terminais, certamente as conclusões não podem ser consideradas válidas.

Carvalho et al., 2000
b) A busca e a análise da informação

Para realizar uma primeira aproximação com o diagnóstico da estrutura, é bom voltar ao mapa do território, onde estão localizados os serviços de saúde existentes; num primeiro momento, sem ter como preocupação se o que existe é o ideal para a população em questão, deve ser levantada, ao máximo possível, a informação acerca da capacidade instalada (consultórios, laboratórios, equipamentos, centros de saúde, serviços especializados, número de leitos, emergência, maternidade e outros).

No levantamento da capacidade instalada estão incluídos recursos físicos, materiais, equipamentos e recursos humanos, as condições básicas para que um serviço ou unidade exista. O diagnóstico de recursos é baseado numa ampla gama de informações a respeito dos serviços existentes, de que forma estão operando e com que resultados. Embora pareçam ser informações básicas, muitas vezes temos dificuldades até de obter informações sobre recursos físicos – número de leitos, consultórios, salas cirúrgicas etc. –, por não serem mantidos registros atualizados.

Prefeitura de Itapevi.

Assim como discutido para o diagnóstico das condições de saúde, o levantamento da capacidade instalada também deve ser orientado pelos objetivos – no caso, a constituição de redes de atenção. Listas de unidades/serviços apresentadas por ordem alfabética, sem maior aprofundamento de suas características, pouco ajudam a uma aproximação ao nível de complexidade da cada uma, central à discussão de qual o papel a ser exercido na rede de serviços de saúde.

De forma geral, há uma tendência a limitar a análise da estrutura, quando muito, à descrição da capacidade instalada. No entanto, esse é apenas o primeiro passo para a realização do diagnóstico – ou seja, é condição essencial, mas não suficiente. Isso porque a simples existência do serviço não significa de modo algum que este esteja realizando sua capacidade de produção, seja por deficiências de recursos ou problemas de gestão, seja por estar operando com barreiras ao acesso da população que poderia utilizá-lo.

Embora a simples descrição da capacidade instalada e dos recursos humanos existentes não baste para emitir qualquer julgamento sobre a articulação e operação desses recursos, na prática a obtenção de informação organizada e confiável pode ser uma tarefa que desafia a criatividade e a paciência. Muitas vezes, os dados sobre número de leitos ou consultórios, por exemplo, não são articulados com a informação sobre os equipamentos disponíveis e os recursos humanos utilizados para realizar determinada produção.

Foto: Agência Brasília.

Tanto quanto possível, deve-se buscar a informação acerca de recursos de forma a posteriormente integrá-la na análise. Por exemplo, para um mesmo serviço, deve-se tentar individualizar o número de consultórios, os equipamentos e os recursos humanos, para que posteriormente possam ser analisados em seu conjunto e se possa avaliar a capacidade potencial de produção de consultas, exames ou qualquer outra atividade. Essa capacidade potencial deverá ser comparada ao que está sendo efetivamente realizado. Afinal, a mera constatação da existência de um equipamento e de seu estado de conservação não significa automaticamente que esse recurso esteja em condições de operar. Por exemplo, se existe uma sala cirúrgica perfeitamente equipada, porém não há profissionais capacitados para operá-la, na prática não poderemos contar com esse serviço.

Em geral é possível, a partir dos dados existentes, realizar a análise da relação entre os recursos existentes (estrutura) e a produção realizada (processos). Daí resulta a avaliação da produtividade – o rendimento dos recursos –, que diz respeito a um dos atributos dos serviços de saúde, a eficiência, ou seja, a relação entre uma dada produção e os recursos utilizados para obtê-la. Entre os indicadores de rendimento estão: as taxas de ocupação – o percentual de leitos ocupados no período; o tempo médio de permanência – a média de dias que cada paciente ocupou o leito; e o rendimento da hora-profissional – o número médio de pacientes atendidos pelo profissional a cada hora trabalhada.

É muito comum encontrarmos recursos operando abaixo do rendimento esperado ou potencial, ou seja, de forma ineficiente. Esse aspecto é essencial na avaliação a ser feita no diagnóstico.

Foto: Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Muitas são as possíveis causas para que um recurso existente não alcance o rendimento esperado. Ao realizar a análise do rendimento dos recursos e encontrar rendimento menor que o esperado, o passo seguinte é o aprofundamento do diagnóstico, de forma a poder detectar as causas para a situação encontrada e poder traçar estratégias de intervenção para enfrentar cada uma delas. Nesse aprofundamento, além da busca e análise de todas as informações disponíveis, deve-se buscar o conhecimento e a experiência dos profissionais envolvidos na operação dos serviços.

A partir da análise da estrutura também é possível correlacionar informações acerca da suficiência da capacidade instalada, expressa pela relação entre recursos disponíveis e a população que deles necessita, o que permite avaliar a capacidade potencial de cobertura.

Mais uma vez deve ser ressaltado que a estrutura nos fala de capacidade potencial, que não necessariamente tem todas as condições para ser realizada. Para avaliação de cobertura de ações e serviços num momento dado, é fundamental diferenciar o potencial do efetivamente realizado, que é a cobertura real.

Quando a insuficiência de recursos é muito significativa, mesmo que se considerem os serviços operando em toda a capacidade potencial, não é possível pensar a instituição de redes de atenção sem que o investimento em novas ações e serviços seja realizado. Para a organização de redes é necessária a autossuficiência de recursos nos territórios – em graus que vão depender do tamanho da população e de seu perfil epidemiológico.

Foto: Conselho Federal de Medicina (CFM).

Portanto, a análise da estrutura necessariamente se relaciona à forma pela qual ela estaria, ou não, capacitada a abrigar um determinado processo de trabalho. A isso se agrega o fato de que a simples existência de um serviço não significa que não existam barreiras ao acesso a ele.

O acesso diz respeito ao conjunto de circunstâncias que viabilizam, ou não, a entrada de cada usuário na rede de serviços, em seus diferentes níveis de complexidade e/ou nas várias modalidades de atendimento. Está relacionado à oferta de recursos – tanto à sua existência quanto à forma como está organizada sua operação.

Isso é óbvio quando se fala das barreiras econômicas, mas também é verdadeiro quando existem empecilhos de caráter geográfico, como, por exemplo, uma autoestrada que se interpõe entre parte da população e o serviço, ou ainda horários de atendimento restritos, estreitando a porta de entrada. Um claro exemplo é o costume da entrega de uma senha para organizar a fila de espera por ordem de chegada. Na verdade, isso opera como um limitador da demanda, garantindo um número máximo de atendimentos independentemente da disponibilidade real dos serviços, obrigando o usuário potencial a chegar cada vez mais cedo para tentar garantir seu atendimento ou a buscar atenção nos serviços de urgência/emergência, o que gera uma sobrecarga já conhecida.

Vários são os indicadores de acesso que podem ser utilizados, dependendo:

  • de como se compreende o conceito e suas dimensões;
  • do sistema de saúde em questão; e
  • dos objetivos da avaliação.

Alguns desses indicadores são relacionados à estrutura – como a oferta de médicos generalistas ou de cuidado domiciliar por população –, porém, a maioria relaciona-se a processos, tais como: a cobertura populacional por determinados procedimentos, como a mamografia; as taxas de realização de outros procedimentos, como a cirurgia de catarata na população idosa ou, ainda, o tempo de espera para diferentes modalidades de atenção.

Foto: EPSJV/Fiocruz.

A análise dos tempos de espera é uma questão essencial no diagnóstico. A ausência de listas de espera é em si um problema a ser detectado, porque não significa que não há pessoas sem atendimento, mas que o sistema desconhece a composição e o tamanho da demanda, assim como não consegue atender, nem sequer se responsabiliza por ela.

No caso de existirem listas de espera, é fundamental saber quanto tempo e pelo que se espera. Esperar um tempo mais longo por um procedimento cirúrgico eletivo é diferente de esperar pelo esclarecimento de um possível diagnóstico oncológico.

Além de eficiência e acesso, outras dimensões de desempenho dos sistemas e serviços podem ser avaliadas. Existem várias propostas de classificação de dimensões e atributos a serem avaliados, de acordo com diferentes autores.

Efetividade, por exemplo, ainda que exista uma certa imprecisão conceitual, está associada ao grau de cumprimento de metas ou objetivos por parte do sistema de saúde. Está relacionada com os resultados em saúde alcançados por meio de uma determinada intervenção. A efetividade é, então, definida em função do grau de alcance do resultado desejado pela intervenção ou ação.

É avaliado, portanto, o grau de impacto positivo dos serviços sobre as condições de saúde das comunidades e dos indivíduos e/ou de alcance dos resultados esperados.

São exemplos dos indicadores que podem ser usados para aferir o grau em que a efetividade foi alcançada:

  • porcentagem de pessoas não suscetíveis a uma doença evitável a partir da imunização numa população que efetivamente foi vacinada, num período determinado;
  • diminuição das taxas de incidência e/ou prevalência de determinado agravo num período determinado ou tendência à diminuição dessas taxas;
  • diminuição das taxas de mortalidade ou aumento da sobrevida.

No entanto, é bom lembrar que, para a avaliação de efetividade, é preciso que esteja absolutamente claro o nexo causal entre as intervenções e os resultados. Em alguns casos, como no exemplo da vacinação, essa correlação é mais clara. Quanto mais eficaz sobre o controle do agravo é a intervenção proposta, mais clara torna-se a identificação.

Foto: Agência Brasília.

Um outro exemplo é a detecção das lesões precursoras do câncer do colo do útero, que permite evitar que praticamente todos os casos ocorram. Em outras situações, é difícil avaliar o peso das intervenções realizadas, já que atuam ao lado de muitas variáveis.

No site do Proadess, conforme mencionado no Tema 3.3, são consideradas quatro dimensões para avaliação: determinantes da saúde, condições de saúde da população, sistema de saúde e desempenho dos serviços de saúde.

Para construir um sistema de monitoramento do sistema de saúde brasileiro, o Proadess definiu as seguintes dimensões do desempenho dos serviços de saúde a serem trabalhadas:

Efetividade – grau com que a assistência, os serviços e as ações atingem os resultados esperados.

Acesso – capacidade das pessoas de obter os serviços necessários no lugar e no momento certo.

Eficiência – relação entre o produto da intervenção de saúde e os recursos utilizados.

Respeito ao direito das pessoas – capacidade do sistema de saúde de assegurar que os serviços respeitem o indivíduo e a comunidade e estejam orientados às pessoas.

  • Aceitabilidade – grau com que os serviços de saúde ofertados estão de acordo com os valores e as expectativas dos usuários e da população.

Continuidade – capacidade do sistema de saúde para prestar serviços de forma ininterrupta e coordenada entre diferentes níveis de atenção.

Adequação – grau de conhecimento técnico-científico em que se baseiam os cuidados prestados às pessoas.

Segurança – capacidade do sistema de saúde de identificar, evitar ou minimizar os riscos potenciais das intervenções em saúde ou ambientais.

O diagnóstico de estrutura e desempenho, portanto, é feito utilizando-se informação e indicadores que permitam conhecer tanto recursos (neles incluídos os recursos humanos) quanto a sua organização, de modo que da análise possam surgir os elementos necessários para determinar a existência de possíveis problemas.

Em termos gerais, pode-se afirmar que um grande número desses problemas terá a ver com a adequação existente entre:

  • recursos disponíveis e demanda a que estão sujeitos;
  • recursos disponíveis e suas características em relação às requeridas pelo perfil epidemiológico da demanda;
  • distribuição dos recursos no espaço geográfico e sua correspondência com a localização da demanda;
  • o modo como os recursos são organizados na prática para a prestação dos serviços (gestão/administração) e as respostas obtidas no que diz respeito à eficiência e efetividade na produção do cuidado.

Vamos fazer uma atividade de autoavaliação deste tema.

Atividade de autoavaliação

Nesta atividade de análise, considere a clássica definição de Donabedian acerca das possíveis abordagens para a avaliação de serviços: estrutura, processo e resultado.

Em um serviço ambulatorial, liste os elementos que você consideraria como representativos da estrutura, quais os de processo e quais os de resultados (cite, no mínimo, dois elementos para cada abordagem).

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O propósito desta atividade foi não apenas avaliar se os conceitos de estrutura, processo e resultado foram bem assimilados, mas também permitir que você experimentasse a dificuldade de se estabelecer fronteiras claras entre esses conceitos.

Se tiver alguma dúvida, entre em contato com o tutor a fim de obter mais esclarecimentos.

Vamos passar agora para o próximo tópico.

Foto: Radis Comunicação e Saúde.
c) Um recurso-chave: os trabalhadores da saúde

A análise da situação e dos problemas relativos aos trabalhadores de saúde reveste-se de particular importância para o planejamento e a gestão de sistemas e serviços de saúde, por ser este o recurso crítico para a produção do cuidado em saúde.

Para a análise da situação, muitas vezes será necessário o desenho de estudos específicos e a utilização de diversas abordagens metodológicas para levantamento e obtenção da informação sobre os trabalhadores da saúde, no que diz respeito à formação, ao tipo de vínculo, às horas contratadas, à lotação e ao tempo de serviço. Isso é essencial para que se possa prever as necessidades de novas contratações, seja por saída ou por possíveis estrangulamentos na disponibilidade de profissionais.

É importante também avaliar a capacitação, o grau de conhecimento específico em relação às atividades a serem desenvolvidas. Embora possa parecer que os profissionais foram contratados para determinada função com base na sua qualificação, nem sempre isso é verdadeiro. Muitas vezes, nem mesmo as atribuições do cargo estão claramente definidas, o que torna ainda mais difícil a avaliação da adequação do profissional para cumprir as funções para as quais supostamente foi contratado.

Foto: Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

As mudanças introduzidas ao longo da última década nos arranjos organizacionais e a adoção de novas formas de gestão de serviços públicos, por meio de contratos e terceirizações, entre outros, torna a gestão do trabalho tarefa extremamente complexa e eivada de questões. Algumas são críticas em nossa realidade, como:

  • a precarização do trabalho;
  • a má distribuição de profissionais e as dificuldades para sua fixação em muitos territórios;
  • a precariedade da formação.

Essas questões, originadas no âmbito macro e meso da política, devem ser analisadas em cada caso específico. Ao mesmo tempo, cabe buscar compreender as questões ao nível da micropolítica do trabalho: como se formam as equipes, sua composição, arranjos e práticas de trabalho.

Foto: Radis Comunicação em Saúde.
d) Financiamento

O diagnóstico do financiamento refere-se à análise das fontes e formas de alocação dos recursos financeiros. Nesse campo, busca-se informação sobre os recursos existentes e disponibilizados para a saúde, sejam os recursos da própria esfera de governo, como também as transferências automáticas e regulares para o SUS oriundas das demais esferas e, ainda, recursos que eventualmente sejam direcionados para a saúde, por meio de políticas específicas e outros atos governamentais.

Além das fontes de financiamento, é fundamental conhecer os fluxos dos recursos financeiros. Nesse caso é necessário analisar as tendências, ou seja, como tem sido o comportamento do orçamento, das receitas e despesas, da estrutura, do gasto ao longo de um determinado período, da distribuição do recurso entre os diversos elementos de despesa – pessoal, material de consumo – em suas diversas categorias –, dos serviços de terceiros – incluídos todos os contratos de serviços e bens de capital, com as subcategorias que sejam necessárias para melhor compreensão desse processo.

Foto: rawpixel.com.
e) Função condução/gestão

A gestão de sistemas e de serviços engloba uma gama muito ampla de funções, que vão desde a formulação de políticas até a do plano, passando pela gestão de redes de serviços e a gestão de funções ao nível das unidades.

O diagnóstico da função de gestão em um território tem como foco a análise da capacidade do gestor de exercer as funções de condução do sistema, entre as quais a capacidade de:

  • formulação de políticas;
  • planejamento;
  • regulação do sistema;
  • avaliação da implementação de políticas, planos e ações propostos;
  • acompanhamento e controle das ações de saúde e dos contratos estabelecidos;
  • capacidade de resposta aos problemas encontrados, mediante novas soluções e modificação de rumos, se necessário;
  • garantia de funcionamento efetivo dos fóruns de participação social;
  • responsabilização pelo sistema de saúde e seus resultados.

Vamos realizar uma atividade de autoavaliação sobre o tema.

Atividade de autoavaliação

Observe novamente o texto “Parâmetros técnicos para a programação de ações de detecção precoce do câncer de mama”, elaborado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca)/Ministério da Saúde, disponível na biblioteca do curso, e que você já teve a oportunidade de ler durante o estudo do Tema 1.5.

Se você fosse parte de uma equipe responsável por implantar essa linha de cuidado numa dada região, que informações buscaria para iniciar seu trabalho?

Digite suas ideias no espaço a seguir e, quando terminar, clique no botão Salvar. Depois, veja se você considerou, em sua resposta, os pontos destacados nos comentários.

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Agora você pode avançar para o Tema 3.4. A análise situacional como identificação de problemas e suas causas.

Tema 3.4A análise situacional como identificação de problemas e suas causas

Foto: Agência Brasília.

Como já mencionado, o processo de planejamento busca identificar problemas – atuais e futuros – e os fatores que contribuem para a situação observada. A partir dessa identificação, definem-se estratégias de intervenção para alcançar as mudanças consideradas necessárias.

A análise dos condicionantes da situação permite identificar em que âmbito é possível intervir de forma mais eficaz sobre as causas de determinado problema, e não sobre suas manifestações superficiais. Para que isso seja possível, é necessário, inicialmente, que o problema seja bem delimitado e que sejam identificados alguns dos grupos de fatores que poderiam constituir-se nas causas mais imediatas. A análise aprofundada desses fatores, como discutiremos mais adiante, orientará a eleição das prioridades e a elaboração de estratégias de intervenção.

Por exemplo, ainda que num plano proposto para um serviço de saúde se possa apontar que as condições de vida da população atendida são causas de determinados problemas de saúde, sabemos que ações que obtenham impacto sobre esses determinantes não podem ser realizadas apenas no âmbito do setor saúde e menos ainda de um serviço. No entanto, o diagnóstico aprofundado permitiria propor intervenções focais que poderiam atuar sobre causas mais imediatas.

  • Identificação e descrição de problemas
  • Levantamento das causas
  • Seleção das causas críticas
Foto: Sesa/CE.

a) Identificação e descrição de problemas

A identificação e delimitação dos problemas, embora muitas vezes consideradas questões simples e corriqueiras, na realidade são bem mais complexas e requerem questionamento e reflexão.

Ao trabalharmos com a mortalidade, por exemplo, muitas vezes não fica claro qual o problema identificado. Frequentemente os diagnósticos elaborados apresentam as causas de morte, em especial a mortalidade proporcional, mas não é possível compreender em que medida o processo identificou esses óbitos como problemáticos.

A identificação das doenças cardiovasculares e das neoplasias como as principais causas de óbito – como ocorre em boa parte dos territórios brasileiros e para o país como um todo – não pode ser considerada um problema em si. Esse é o padrão observado para os países que têm melhores condições de vida e saúde – ao contrário da mortalidade por doenças infecciosas ligadas à pobreza –, já que quanto mais as pessoas vivem, maior a prevalência de doenças crônicas.

Foto: Radis Comunicação em Saúde.

Então, qual é exatamente o problema? É preciso defini-lo com clareza.

No caso das doenças crônicas, por exemplo, o problema pode ser expresso por taxas elevadas de mortalidade cardiovascular e/ou óbito por doenças cerebrovasculares em idade muito mais precoce do que as observadas em países desenvolvidos (como é o caso brasileiro). No caso das neoplasias, por um percentual elevado de pessoas que têm a doença detectada apenas em estágio avançado, o que também acontece no caso brasileiro. Ou seja, pessoas cujas mortes poderiam ter sido evitadas pelo acesso ao tratamento e cuidado adequados, ou, ainda, que não tiveram o acompanhamento adequado ao longo do processo, que pudesse amenizar o sofrimento e a dor.

Uma maneira de identificar problemas nesse campo é pela utilização de indicadores para análise da mortalidade evitável, que pode ser avaliada para agravos ou grupos etários. No caso da mortalidade infantil, por exemplo, existem classificações bem estudadas das diversas causas de óbitos de acordo com o critério de evitabilidade, definindo por meio de que tipo de estratégia de intervenção seria possível evitá-las em cada caso. Assim, além de ajudar na delimitação do problema, a análise da mortalidade evitável permite identificar as estratégias de intervenção a serem utilizadas.

Foto: Radis Comunicação em Saúde.

Outra abordagem que auxilia a identificação de problemas e eleição de prioridades em saúde são os estudos de carga da doença, que utilizam como indicador o DALY (Disability Adjusted Life Years – Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade). Esse indicador procura medir simultaneamente o impacto da mortalidade e dos problemas de saúde que afetam a qualidade de vida e mede os anos de vida perdidos, seja por morte prematura, seja por incapacidade.

No campo do diagnóstico de recursos, da forma como se estruturam e funcionam os serviços e sua efetiva organização em rede, a delimitação de problemas é também tarefa complexa. Em geral, são identificadas e listadas diversas questões relacionadas a diferentes dimensões e aspectos, sem que se consiga determinar causas e correlações. Por exemplo, não é difícil encontrar uma relação de problemas como: faltam serviços, há filas de espera, salários inadequados, falta de integração entre as unidades, subfinanciamento, falta algodão, excesso de ações judiciais, falta capacitação profissional, dificuldade de estabelecer fluxos entre diferentes territórios etc. Embora todas essas questões possam estar efetivamente presentes, simplesmente listá-las pouco contribui ao aprofundamento diagnóstico, como você verá adiante.

Foto: Radis Comunicação em Saúde.

Outro elemento a ser considerado na seleção e definição de um problema é que nem sempre o incremento de recursos (financeiros, humanos, equipamentos etc.) representa a única ou a melhor solução, já que, se assim fosse, a busca de problemas passaria obrigatoriamente pela ótica distorcida de que quanto mais, melhor.

É necessário aprofundar a análise situacional para que fique claro se as causas de problemas identificados na oferta e/ou no acesso a serviços de saúde são efetivamente derivados da carência de recursos ou de questões relacionadas à gestão dos recursos existentes. Por exemplo, uma política de investimentos sem a identificação desses problemas será uma proposta de intervenção que não guarda coerência com os problemas reais no caso considerado e não será capaz de alcançar objetivos de mudança – se esses forem os objetivos, naturalmente.

Foto: Sesa/CE.

Lembre-se de que a percepção de um problema é influenciada por diferentes fatores, entre os quais se incluem a inserção do observador no processo, suas expectativas e a maior ou menor proximidade do espaço de tomada de decisões.

Mesmo o tempo, por exemplo, pode ser percebido de diversas formas. Uma questão é o tempo para quem espera ser atendido num serviço de emergência, e outra, bem diferente, é a percepção desse mesmo tempo pela equipe de atendimento. Para quem espera, há a urgência para resolver a situação, dada pela avaliação da gravidade/sofrimento/desconforto. Já para a equipe, o que determina se o tempo de espera é adequado ou não é a avaliação por critérios técnicos da gravidade/urgência da situação, o conhecimento sobre os recursos disponíveis e a pressão exercida pela demanda total.

Foto: Agência Brasília.

Uma vez identificado um problema, sua explicitação deve ser feita de forma clara, completa e precisa, para não haver equívocos.

Passa-se então à descrição desses problemas por meio dos descritores, que representam os fatos, sinais ou fenômenos que caracterizam o problema. Ou seja, seu objetivo é representar o problema, e não explicar as causas.

Nem sempre temos a possibilidade de utilizar somente descritores quantitativos. Às vezes é necessário empregar descritores qualitativos. É importante, sempre, verificar a fonte do descritor, ou seja, a procedência da informação.

O exemplo a seguir retrata um caso real; ele traz os descritores com sua respectiva fonte de verificação para o problema da baixa qualidade da assistência hospitalar.

Problema: baixa qualidade da assistência hospitalar
Descritores Fonte de Verificação

D1 – 35% das internações avaliadas como desnecessárias.

Supervisão hospitalar

D2 – 52% dos prontuários não atualizam ou não cumprem prescrições.

Supervisão hospitalar

D3 – taxa de infecção hospitalar estimada acima de 26%.

Vigilância epidemiológica
Supervisão hospitalar

D4 – 67% dos casos de tétano neonatal ocorreram na santa casa.

Vigilância epidemiológica
Supervisão hospitalar

D5 – três casos de septicemia por interrupção da medicação.

Vigilância epidemiológica
Supervisão hospitalar

Fonte: Artmann (2000).
ARTMANN, E. O planejamento estratégico situacional no nível local: um instrumento a favor da visão multissetorial. Cadernos da Oficina Social n. 3: Desenvolvimento social. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 2000, p. 98-119.

Quanto mais descritores levantarmos, maior será o conhecimento acerca do problema.

Uma descrição bem-feita de um problema produzirá indicadores que serão empregados para avaliar a efetividade alcançada pelo plano. Quando um plano é bem-sucedido, os descritores do problema se modificam.

Vamos conhecer um pouco mais sobre a importância dos descritores na próxima unidade de aprendizagem.

Foto: Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
b) Levantamento das causas

Depois que um problema foi detectado e descrito, temos que entendê-lo, saber por que ele acontece; por isso, o passo seguinte é identificar suas causas. Para que elas sejam conhecidas, é necessário, para cada problema selecionado, o aprofundamento da análise situacional, formulando hipóteses que explicariam as causas e buscando respostas para novas perguntas acerca da situação.

Para que as propostas de solução tenham coerência e consistência em sua formulação, é preciso aprofundar o estudo iniciado na análise situacional, a fim de se identificar os fatores que dão origem aos problemas selecionados e estabelecer uma ordem entre eles.

Essa hierarquização entre os fatores causais se dá a partir de critérios, ou seja, em função da sua relevância como causa do problema principal e das possibilidades de se intervir sobre eles. Do ponto de vista da intervenção destinada a resolver um problema, pouco adianta saber que a causa prioritária está longe da gestão do sistema, unidade ou serviço e, portanto, independe da vontade daqueles que têm de conviver com a situação problemática.

Todo problema tem uma ou mais causas que devem ser identificadas para que se possa minorar ou eliminar o seu impacto. Podemos dizer que a causa de um problema também é um problema. Ou seja, um problema é produzido ou gerado por outros problemas menores.

Foto: Peter Ilicciev/ Fiocruz Imagens.

As causas podem se relacionar ao problema de maneira conhecida ou desconhecida, simples ou complexa. Em geral, a existência de estudos anteriores permite identificar aqueles fatores que já se revelaram como importantes e, portanto, merecedores de atenção especial. Portanto, ao identificar um problema, procure buscar o que já existe de estudos realizados anteriormente ou qualquer material produzido sobre ele.

Ou seja, para identificar as possíveis causas de um problema, pode-se lançar mão da nossa experiência acumulada, da assessoria de especialistas, de procedimentos de consulta à bibliografia, de entrevistas com informantes-chave, ou por outros procedimentos que permitem uma aproximação às possíveis causas. A isso chamamos de “gestão baseada em evidências”. Na próxima unidade detalharemos melhor esse conceito.

TEIXEIRA, C. F. Planejamento municipal em saúde. Salvador: CEPS/ ISC, 2001.

Algumas técnicas podem ser utilizadas para o processamento das diversas causas levantadas, como, por exemplo: o fluxograma situacional e a árvore de problemas (TEIXEIRA, 2001).

Foto: Raul Santana/Fiocruz Imagens.

O fluxograma situacional utiliza quadros e setas e permite identificar as relações de determinação entre as causas entre si e entre estas e o problema; as causas de maior poder de determinação; o grau de governabilidade sobre as causas, ou seja, aquelas que estão no espaço de governabilidade pelo ator do plano; as causas relacionadas diretamente com os problemas, mas controladas por outros atores; e as causas situadas fora do espaço do problema, mas que se relacionam com aquelas que o condicionam, sem fazerem parte dele diretamente, sendo causas também de outros problemas. O fluxograma é mais completo e um pouco mais complexo na sua execução, pois envolve uma série de variáveis.

Figura 1 – Rede explicativa do problema
Fonte: Lacerda, Botelho, Colussi (2016).
LACERDA, Josimari Telino de; BOTELHO, Lúcio José; COLUSSI, Claudia Flemming. Planejamento na Atenção Básica. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2016.
RIVERA, Francisco Javier Uribe; ARTMANN, Elizabeth. Uma proposta para o SUS. In: Planejamento e gestão em saúde: conceitos, história e propostas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012.

Já a árvore explicativa de problemas é um diagrama mais simples e direto, em que o caule representa o problema, a raiz são as causas, e a copa, as consequências. Por não apresentar uma hierarquização das causas, pode resultar numa compreensão mais simplificada e incompleta dos problemas (RIVERA; ARTMANN, 2012).

Figura 7 – Esquema da árvore explicativa
Fonte: Lacerda, Botelho, Colussi (2016).

A definição correta das causas é essencial para que no momento seguinte sejam programadas as ações.

Seguem dois exemplos de problemas identificados na atenção básica e na atenção hospitalar.

Exemplo 1: Atenção básica

Na atenção básica o problema identificado foi baixa qualidade do pré-natal. Como possíveis causas podemos citar a capacitação insuficiente dos profissionais para a atenção ao pré-natal; insuficiência de equipamentos e insumos na unidade básica de saúde para realização do pré-natal, entre outras.

Exemplo 2: Atenção hospitalar

O problema identificado foi a insuficiência de leitos de UTI neonatal em um determinado território. Podemos ter como causas desse problema: aumento do número de recém-nascidos com patologias que demandam internação; diminuição da oferta de leitos em estabelecimentos da área de influência do serviço; leitos desabilitados por falta de recursos financeiros para sua manutenção; saída de pessoal especializado sem possibilidade de incorporação de novos profissionais, entre outras.

Esses exemplos demonstram uma grande variedade de causas identificadas que são fundamentais para enfrentar os problemas selecionados.

Foto: Agência Brasília.
c) Seleção das causas críticas

Após esse levantamento de todas as possíveis causas, devemos fazer uma análise cuidadosa de cada uma delas para selecionar aquelas consideradas mais importantes na origem do problema e passíveis de intervenção, ou seja, que estejam dentro do espaço de governabilidade do ator envolvido. Elas são chamadas de causas críticas e para cada uma serão elaboradas ações de enfrentamento no passo seguinte.

A partir dos problemas exemplificados anteriormente, quais causas poderíamos escolher como críticas?

Podemos dizer que tanto no exemplo 1, como no 2, a escolha das causas críticas vai depender do espaço de governabilidade do ator, ou seja, de quais recursos ele controla.

Vamos imaginar que, no exemplo 1, o ator do plano é o gerente da UBS e que o secretário de saúde não está preocupado com esse tema. A causa crítica escolhida, junto à equipe, pode ser a capacitação insuficiente dos profissionais para a atenção ao pré-natal, pois a própria equipe poderá articular essa capacitação. Se escolherem a insuficiência de equipamentos, que depende do secretário de saúde, simplesmente não sairão do lugar.

Foto: Agência Brasília.

Ao mesmo tempo, se uma causa tem um impacto muito grande sobre o problema, se existe oportunidade política de atuação, e possibilidade de intervenção, mesmo que esteja fora da governabilidade do ator, não deve ser descartada, para não reduzirmos a potência da explicação situacional. Essas outras causas conformarão um plano de demandas e seu enfrentamento dependerá da capacidade de negociação e da criatividade do(s) ator(es) interessado(s) (RIVERA; ARTMANN, 2012).

Como já foi salientado, o processo de identificação, formulação, priorização de problemas depende de vários fatores; portanto, espera-se que esse e os demais momentos de planejamento possam ser realizados de forma participativa e envolvendo diversos atores.

Finalizamos o Módulo 3. Agora você pode avançar para o Módulo 4. Os momentos Normativo, Estratégico e Tático-Operacional do PES: elaboração, análise da viabilidade e gestão do plano.