Módulo 2Epidemiologia para a gestão dos sistemas de saúde

Introdução

Neste módulo, iremos apresentar conceitos básicos e os principais usos e ferramentas da epidemiologia para a gestão dos sistemas de saúde.

Este módulo está organizado em três temas:

  • Tema 2.1. Conceitos e aplicações da epidemiologia
  • Tema 2.2. Epidemiologia descritiva
  • Tema 2.3. Medidas de frequência de doenças

Agora você pode avançar para o Tema 2.1. Conceitos e aplicações da epidemiologia.

Tema 2.1Conceitos e aplicações da epidemiologia

Para refletir

Você já aplicou a epidemiologia na sua prática profissional? Como você define epidemiologia?

O que você acha? Pense um pouco nisso antes de prosseguir. Recomendamos que você registre as suas ideias a esse respeito e salve de uma maneira que possa consultá-las posteriormente.

O que é epidemiologia?

Etimologicamente, a palavra epidemiologia deriva do grego (epi = sobre; demos = população; logos = estudo).

Nas últimas décadas, seu significado tem sido ampliado, para abranger, além da preocupação com epidemias de doenças transmissíveis, todos os demais processos relacionados à saúde nas populações. Portanto, não existe uma definição única para epidemiologia.

Mesmo assim, podemos caracterizá-la como o estudo da frequência, da distribuição e dos determinantes de estados ou eventos relacionados à saúde em populações específicas e a aplicação deste estudo para o controle de problemas de saúde, portanto, para a gestão.

Como um campo interdisciplinar, a epidemiologia se baseia na estatística, nas ciências biológicas e nas ciências sociais. Integrar esses três pilares básicos é essencial para que se alcance o principal objetivo da epidemiologia, de promover, proteger e restaurar a saúde da população por meio de intervenções delineadas a partir do conhecimento da história natural da doença e dos fatores que influenciam sua distribuição.

As aplicações básicas da epidemiologia são agrupadas em três grandes eixos, a saber:

Diagnóstico, monitoramento e avaliação das condições de saúde da população, abrangendo a determinação das frequências e o estudo da distribuição e das tendências dos estados ou eventos em saúde.

Investigação da etiologia e dos determinantes dos estados ou eventos em saúde, inclusive a determinação de riscos e prognósticos.

Planejamento, monitoramento e avaliação de tecnologias, ações, programas, serviços e políticas de saúde.

Todas essas aplicações fornecem importantes subsídios para auxiliar as decisões em saúde, tanto em nível coletivo quanto individual.

Entendemos por risco o grau de probabilidade da ocorrência de um determinado estado ou evento, por exemplo, o risco de desenvolver uma doença ou sofrer um acidente.

A epidemiologia tem aplicação direta para o planejamento, gerenciamento e avaliação dos serviços de saúde, uma vez que a partir das evidências epidemiológicas é possível implementar novas intervenções, reorientar as atualmente existentes ou manter as mesmas estratégias em curso. Também é essencial para o manejo clínico dos doentes, uma vez que, apesar de existirem diferenças entre o diagnóstico clínico e o epidemiológico, dados disponíveis sobre os estados e eventos em saúde na comunidade podem dar boas pistas para o profissional de saúde do que suspeitar. Além disso, não podemos esquecer que a prática clínica depende de dados populacionais para realizar o diagnóstico, prognóstico e tratamento.

Mas por que um estado ou evento relacionado à saúde se desenvolve em algumas pessoas e não em outras?

A premissa que fundamenta a epidemiologia é que os desfechos em saúde não ocorrem ao acaso em humanos, mas sim em padrões que refletem a atuação conjunta dos fatores que influenciam o estado de saúde. Com isso, há grupos populacionais que apresentam mais casos de determinado agravo à saúde, por exemplo, e outros que morrem mais por alguma doença específica. Tais diferenças ocorrem porque os fatores que influenciam o estado de saúde das pessoas se distribuem desigualmente na população, acometendo mais alguns grupos do que outros. Dessa forma, é necessário avaliarmos a distribuição de um estado ou evento relacionado à saúde na população, de acordo com as características de pessoa, lugar e tempo.

Para avançar nessa discussão, clique no Tema 2.2 Epidemiologia descritiva.

Tema 2.2Epidemiologia descritiva

A Epidemiologia descritiva pode ser definida como o estudo da distribuição dos estados e eventos relacionados à saúde de acordo com as características de pessoa, lugar e tempo. Para isso, considerando um determinado evento, tente responder às seguintes perguntas: O que ocorreu? Quem foi afetado? Onde ocorreu? Quando ocorreu? Como os estados e eventos relacionados à saúde variam na população?

Assim, para analisarmos a frequência de um determinado evento é preciso conhecer variáveis relativas à pessoa, ao lugar e ao tempo.

Variáveis relativas à pessoa

Conforme visto, para conhecermos a distribuição de um estado ou evento relacionado à saúde, é essencial tentarmos responder quem são as pessoas ou grupos afetados e revelar quais são as características que os distinguem da população geral, tais como as individuais (sexo, idade, etnia, raça, estado imunitário, estado civil), as relacionadas às atividades (trabalho, esporte, práticas religiosas, costumes etc.), às condições de vida (estrato social, condições ambientais, situação econômica), entre outras. Por exemplo, o desfecho avaliado incide mais em crianças, adolescentes, adultos ou idosos? Em homens ou mulheres? Em brancos, pretos, amarelos, pardos ou indígenas? Em solteiros, casados, viúvos ou divorciados? Em grupos com menor ou maior escolaridade? Em pessoas ativas ou sedentárias? Em fumantes, ex-fumantes ou não fumantes? Em alguma categoria profissional específica?

Variáveis relativas ao lugar

Além de conhecer em quem ou em que grupo populacional ocorre um determinado evento, precisamos também compreender qual o local onde ele surgiu, abrangendo o ambiente físico, biológico e social. Por exemplo, é mais frequente na área rural ou urbana? Em algum estado, município, distrito, bairro ou rua mais que outros? Em altas ou baixas altitudes? Onde há chuvas abundantes ou pouca chuva? Em áreas poluídas ou em áreas não poluídas? Em determinada flora ou fauna? Em alguma tradição cultural específica?

Variáveis relativas ao tempo

Do mesmo modo, é necessário identificarmos quando ocorreu o desfecho avaliado. Por exemplo, qual o período provável de exposição? Qual o intervalo de tempo ou o intervalo cronológico entre dois eventos sucessivos?

Assim, os três objetivos gerais da Epidemiologia descritiva são:

  1. Fornecer diagnóstico abrangente do estado de saúde de determinada população, permitindo monitorar e avaliar doenças e agravos à saúde conhecidos ao longo do tempo, identificar problemas emergentes e comparar os dados de diferentes locais, períodos e subgrupos populacionais;
  2. Subsidiar o planejamento, monitoramento e avaliação de ações, programas, serviços e políticas de saúde. Geralmente, os dados necessários para o estabelecimento de prioridades, alocação de recursos e avaliação da efetividade provêm de estudos epidemiológicos descritivos;
  3. Identificar hipóteses sobre as causas de determinado estado ou evento em saúde a serem estudados por métodos analíticos.

Para ilustrar como esses objetivos são aplicados, podemos citar o caso da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Dados descritivos sobre a epidemiologia da Aids forneceram uma indicação do surgimento da epidemia (objetivo 1), foram úteis para a alocação de leitos e centros de tratamento (objetivo 2) e estimularam estudos etiológicos sobre por que os usuários de drogas injetáveis, homossexuais e bissexuais tinham maior risco de desenvolver a doença (objetivo 3).

Leitura complementar

Caso queira conhecer um pouco mais sobre os objetivos da epidemiologia no caso da Aids, sugerimos que assista ao filme E a vida continua, dirigido por Roger Spottiswoode (EUA, 1993), que pode ser encontrado em serviços de streaming.

Para saber mais sobre estudos epidemiológicos, veja o material de apoio Como se faz um estudo epidemiológico descritivo (OLIVEIRA, 2020), disponível na Biblioteca do curso.

E você sabe a diferença entre estudos descritivos e analíticos?

Enquanto os estudos descritivos caracterizam a frequência e a distribuição dos estados e eventos relacionados à saúde dentro de uma população, os estudos analíticos exploram os seus determinantes, ou seja, a(s) sua(s) causa(s). Geralmente, os estudos descritivos precedem os estudos analíticos, pois permitem a identificação de hipóteses causais a serem testadas. Portanto, sem a realização de estudos analíticos não podemos tomar essas hipóteses como um fato, pois essas suposições podem ser aceitas ou rejeitadas.

Além da compreensão de como as doenças ou agravos são distribuídos, é importante ressaltar que eles podem se apresentar dentro dos limites esperados (endemia) ou acima do esperado, com uma elevação brusca, temporária, num determinado espaço geográfico (epidemia); podem atingir uma população institucionalizada em uma pequena área geográfica (surto), ou ainda extrapolar um determinado espaço, atingindo diversas nações ou continentes (pandemia).

Em todas essas formas de manifestação, é imprescindível a mediação entre o biológico e o social, para a compreensão sobre os determinantes do processo de saúde-doença-cuidado, como será apresentado no próximo módulo.

Leitura complementar

O capítulo 13 do Guia de Vigilância em Saúde (BRASIL, 2019), do Ministério da Saúde, é muito pertinente ao tema que estamos estudando. Recomendamos a leitura antes de prosseguir no estudo deste assunto. O texto completo da publicação encontra-se na Biblioteca do curso.

Atividade de autoavaliação

Vamos fazer uma atividade de análise.

Suponha que você esteja realizando um estudo descritivo de um problema emergente na sua comunidade. Escreva, no espaço indicado, pelo menos três exemplos de variáveis para cada elemento da epidemiologia descritiva pessoa, lugar e tempo que poderiam contribuir para sua investigação.

Digite suas ideias no espaço a seguir e, quando terminar, clique no botão Salvar. Depois, veja se você considerou, em sua resposta, os pontos destacados nos comentários.  

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Esta autoavaliação buscou reforçar alguns conceitos apresentados no Tema 2.2. Para continuar seus estudos, siga para o Tema 2.3. Medidas de frequência de doenças.

Tema 2.3Medidas de frequência de doenças

Conforme estudado no Tema 2.1, um dos objetivos da epidemiologia é medir a frequência com que os problemas de saúde acontecem nas populações humanas. Essas medidas são definidas a partir de conceitos epidemiológicos básicos denominados incidência e prevalência.

Incidência

Refere-se à frequência com que surgem novos casos de uma doença determinada ou problema de saúde num determinado intervalo de tempo, em uma determinada população em risco de adoecimento. É, portanto, uma medida dinâmica.

Vamos entender como se calcula a incidência?

Exemplo de gráfico de coeficiente de incidência de tuberculose no Brasil no período de 2001 a 2018:

Fonte: Brasil (2019).
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Coordenação-Geral do Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Dados epidemiológicos da tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. Disponível em:
https://saude.mg.gov.br/images/documentos/APRES-PADRAO-NOV-19.pdf
Acesso em: 13 nov. 2019.

Outras medidas utilizadas frequentemente na literatura de saúde pública, como mortalidade, letalidade e sobrevida, podem ser entendidas como variações do conceito de incidência. Na mortalidade, por exemplo, o evento de interesse é a morte e os casos novos são os óbitos que acontecem em determinado período em uma população exposta ao risco de morrer.

Prevalência

Refere-se ao número de casos existentes de uma doença em um dado momento. Os casos existentes é o somatório dos casos que adoeceram em algum momento do passado e os casos novos que estão vivos no momento da observação. É, portanto, uma medida estática, como uma fotografia do momento em que se está analisando.

Vamos entender como se calcula a prevalência?

Exemplo de gráfico de prevalência de anemia entre crianças, mulheres, gestantes e não gestantes no Brasil, na América Latina e no mundo em 2011:

Prevalência de anemia* em crianças e mulheres (OMS, 2011)
Fonte: World Health Organization (2015).
WORLD HEALTH ORGANIZATION. The Global Prevalence of Anaemia in 2011. Geneva: World Health Organization, 2015. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/177094/9789241564960_eng.pdf Acesso em: 13 nov. 2019.

Em saúde pública, utiliza-se o termo prevalência de duas maneiras:

  • Prevalência pontual: frequência de casos existentes em um certo ponto do tempo, como em um determinado dia. Por exemplo: prevalência de hanseníase no município X no dia 15 de julho de 2018.
  • Prevalência no período: frequência de casos existentes durante um certo período de tempo, como um ano. Por exemplo: prevalência de hanseníase no município X no ano de 2018.

Ao contrário da incidência, para medir a prevalência os indivíduos são observados uma única vez. Entre os fatores que influenciam a prevalência de um agravo à saúde, excluída a migração, estão a incidência, as curas e os óbitos, conforme ilustrado na figura a seguir:

Como pode ser visto na figura acima, a prevalência é alimentada pela incidência. Por outro lado, a possibilidade de cura ou morte, dependendo da doença ou agravo à saúde, pode ser mais rápida ou lenta. Quanto mais rápida for a possibilidade de cura ou de morte, menor a prevalência. Por outro lado, quanto maior a incidência ou a melhoria dos esquemas de tratamento, que possibilitam o aumento da sobrevida, maior será a prevalência de determinada doença.

Usos na gestão em saúde:

Incidência
  • Avaliar a causa ou a etiologia da doença.
  • Avaliar o impacto de uma ação, política ou serviço de saúde.
  • Realizar estudos de prognóstico.
Prevalência
  • Planejamento dos serviços de saúde para previsão de recursos humanos, financeiros e tecnológicos.
  • Fazer projeções e antecipar mudanças que têm ocorrido na magnitude da doença.

As medidas de frequência podem ser expressas como frequências absolutas ou relativas. As frequências absolutas, porém, são pouco utilizadas na epidemiologia, pois não permitem medir o risco da população e apenas contabilizam o número de casos.

Por exemplo: a situação de saúde de um município de 20.000 habitantes no qual foram diagnosticados 100 casos de dengue é diferente de um município de 100.000 habitantes em que os mesmos 100 casos foram registrados. As frequências relativas permitem comparar a ocorrência de doenças em populações diferentes. Enquanto no primeiro caso a frequência relativa é 0,5%, no segundo é 0,1%. Ou seja, a frequência de casos de dengue no município de 20.000 habitantes é cinco vezes maior do que no município de 100.000 habitantes.

No próximo módulo, vamos estudar os indicadores de saúde que visam proporcionar informações essenciais para o planejamento, execução e avaliação das ações de saúde, no sentido de promover e restaurar a saúde da população, que, como vimos, é o principal objetivo da epidemiologia.

Apresentamos neste módulo os principais conceitos e instrumentos da epidemiologia que podem ser utilizados na gestão em saúde. Esperamos que você possa aplicar os conhecimentos aqui apresentados. Para completar esta unidade, siga para o Módulo 3. Bom estudo!