
Após a avaliação de danos e necessidades da população afetada, Marina, Fabio e José Marcos tomaram as primeiras iniciativas como responsáveis por áreas de atuação na saúde. Sem perceber, iniciaram a resposta (ou manejo do desastre), uma das fases do processo de gestão de risco de emergências e desastres em saúde pública.
Marina, responsável pela UPA, preparou todos os leitos disponíveis na unidade, convocou todo o contingente de profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, técnicos da radiologia), preparou a estrutura física local com ambulâncias, macas, leitos, insumos e equipamentos e acionou a rede de urgência e emergência de municípios vizinhos para prestar atendimento aos feridos, esperando que o número de vítimas extrapolasse a capacidade de resposta da UPA.
Considerando as unidades de saúde afetadas pelo evento, Isabel, responsável técnica pelo hospital geral do município de Bandeira, acionou toda a sua equipe.
Marina e Isabel sabiam também da importância de acompanharem os informes da Defesa Civil para terem ideia da situação e do que ainda estava por vir.
Logo nas primeiras horas após o evento, a Defesa Civil informou ao COE-Geral que duas comunidades localizadas na área rural haviam ficado isoladas. Não era possível saber o número exato de pessoas no local, mas a Defesa Civil havia estimado em 350.
Maria Abigail, agente de saúde que trabalhava em uma dessas unidades, tentou por diversas vezes telefonar para Marina (UPA) com a intenção de informar que havia doentes crônicos, idosos, crianças e pessoas com necessidades especiais precisando de assistência. Sem sucesso. O sistema de comunicação nas principais regiões do município havia entrado em colapso.
Considerando os danos sofridos na infraestrutura de saúde do município de Bandeira, estava claro que o acionamento da rede de atenção à saúde e a logística de deslocamento e transporte/resgate dos pacientes precisavam ser discutidos no COE-S; Isabel e Marina, então, inseriram o assunto na pauta da próxima reunião.
A Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS) é um programa de cooperação criado em novembro de 2011, voltado à execução de medidas de prevenção, assistência e repressão a situações epidemiológicas, de desastres ou de desassistência à população quando for esgotada a capacidade de resposta do estado ou município.
Mais informações em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/entenda-o-sus/52294-o-que-e-forca-nacional-do-sus.
Somado a isso, tendo em vista as dificuldades de resgate e socorro às vítimas que extrapolavam em muito a capacidade de resposta instalada no município de Bandeira e no estado de Drummond, foram acionados reforços, como a Força Nacional do SUS e profissionais de saúde de municípios vizinhos.
Devido ao grande número de mortos no desastre (203 mortes imediatas), outra questão importante para ser discutida no COE-S era o manejo dos cadáveres. O Instituto Médico Legal (IML) do município de Bandeira não tinha capacidade de atender à demanda em questão, principalmente no que dizia respeito ao armazenamento e à identificação de corpos. Como eles eram resgatados, em sua maioria, mutilados e/ou bastante deteriorados, eram necessários exames laboratoriais para a identificação e posterior emissão da declaração de óbito. Assim, foi preciso acionar o Ministério Público para atuar nos trâmites legais, bem como o apoio de outras instituições, como Polícia Federal, já que o processo de identificação envolvia impressões digitais, odontologia forense, antropologia forense, extração e cruzamento de DNA.
Em alguns casos, todo esse processo de identificação dos corpos podia ser bastante demorado, gerando angústia, sofrimento e um prolongamento do luto sem corpo para os familiares das vítimas.
No fim do terceiro dia após o rompimento da barragem, o COE-S se reuniu novamente. Foi uma reunião tensa, pois o secretário de saúde estava irritado devido à cobrança que vinha sofrendo no COE-Geral, especialmente por parte dos secretários de Defesa Civil e Meio Ambiente, por conta da contaminação do rio Azul pela lama de rejeitos. O rio é a principal forma de abastecimento público de água para os moradores de 28 dos 32 municípios do estado de Drummond e eles cobraram ações da Secretaria Municipal de Saúde voltadas, principalmente, para o monitoramento e avaliação sistemática da qualidade da água para consumo humano.
Indignado, José Marcos, responsável pela vigilância em saúde, informou que o laboratório não tinha como dar conta do grande aumento da demanda de análises, além de suas limitações para a identificação e análise dos contaminantes que poderiam estar presentes na água. Era preciso não só articular com os laboratórios da rede para atender à demanda existente, como talvez considerar o envolvimento de laboratórios privados e de universidades.
Nesse momento, Gisele, experiente nessas ações, propôs que os agentes de saúde distribuíssem hipoclorito de sódio para a população residente nas áreas rurais. Propôs ainda a realização de uma campanha de educação em saúde para orientar as pessoas sobre a necessidade de reforçar as medidas básicas de higiene visando a prevenir doenças causadas por desastres, como a leptospirose, dengue, zika, chikungunya, febre amarela, esquistossomose e hepatite A, por exemplo.
José Marcos, então, sentindo-se apoiado pela colega mais experiente, apresentou sua preocupação também com o contato da população – e dos trabalhadores do resgate e socorro – com a lama tóxica. Segundo ele, alguns casos de dermatite já haviam sido reportados, além de problemas respiratórios, e fazia-se necessário acionar a rede de laboratórios para a realização de exames toxicológicos. Marina, por sua vez, comprometeu-se em fazer contato com hospitais de referência no tratamento de intoxicados da capital do estado.
O secretário reportou também que outro ponto de tensão surgiu na reunião do COE-Geral com relação à gestão dos abrigos para onde foram encaminhados os 138 desabrigados do município. Segundo Francisco, o secretário de Defesa Civil solicitou que esse abrigo fosse instalado na Escola Municipal Paulo Freire e que sua estruturação ficasse a cargo das Secretarias de Educação e Saúde. No entanto, os secretários dessas pastas questionaram a decisão, afirmando que isso deveria ser coordenado pela Defesa Civil, contando com o apoio de diversas secretarias, incluindo Educação e Saúde. O prefeito interveio e demandou que a coordenação ficasse a cargo da Defesa Civil; a partir daí, foram definidos os papéis de cada secretaria no apoio à implantação e manutenção do abrigo. O setor saúde acordou então que ficaria responsável, principalmente, pela vigilância da qualidade da água e das condições higiênico-sanitárias do abrigo, além de toda a assistência psicossocial e imunização necessárias. José Marcos, na reunião do COE-S, acrescentou que era importante também atuar na vigilância alimentar e nutricional das vítimas, visto que o município sofria de desabastecimento de gêneros alimentícios importantes, devido aos danos causados na produção agropecuária local.
Apesar da realização da campanha educativa, cerca de um mês após o evento Marina reporta atendimentos de pessoas com queixas de dor de cabeça, febre, dor atrás dos olhos, náuseas, vômitos, manchas vermelhas pelo corpo, dor nas articulações, nos ossos e cansaço. Algumas ainda apresentavam dores musculares, coceira e outros sintomas mais graves, como dificuldade de respirar e confusão mental. Considerando o ambiente favorável para a proliferação de vetores, imediatamente os profissionais de saúde suspeitaram da ocorrência de doenças como dengue, zyka, chikungunya e febre amarela, relacionadas à proliferação do mosquito Aedes aegypti. No entanto, para um diagnóstico preciso era necessária a realização de exames laboratoriais, aumentando a demanda da rede de laboratórios, já sobrecarregada.
Isabel lembrou da situação do município de Barra Longa, em Minas Gerais, atingido pelos resíduos da Barragem de Fundão da Samarco, no ano de 2015. Nesse município, com 5.710 habitantes, não havia nenhum caso registrado de dengue antes de 2015 e depois do evento chegaram a ser registrados mais de 3 mil casos da doença.
Nos abrigos surgiram relatos de violência física e sexual, principalmente contra mulheres e crianças. Fábio então então sugeriu acionar a Secretaria de Assistência Social para redução da vulnerabilidade da população e propôs ainda que o secretário de Saúde levasse a situação para ser discutida com os parceiros no COE-Geral, visando a articulação com os órgãos de Segurança Pública, dentre outros.
De 8 a 15 dias após o rompimento da barragem, 18 pessoas que viviam em áreas diretamente atingidas pelas inundações do rio Azul deram entrada na UPA com sintomas de febre, náuseas, diarreia, dores musculares e de cabeça. Duas delas apresentaram infecção nos rins e outra, no baço. Esta última veio a óbito. Outras nove pessoas que trabalharam no resgate foram atendidas no mesmo período com os mesmos sintomas. Foi constatado que havia um surto de leptospirose na área rural do município de Bandeira.
Diante da possibilidade de ampliar o surto de doenças relacionadas ao desastre, foi sugerido durante uma reunião do COE-S que fossem realizadas campanhas de vacinação em massa para a população. No entanto, José Marcos alertou que a Central da Rede de Frio do município havia sido danificada, com perda de imunobiológicos e insumos (seringas).
Gisele alertou que uma ação importante era a elaboração de informes sobre a situação de saúde para a população, para a imprensa e outros órgãos envolvidos no processo. Essa medida aumentaria a capilaridade das informações e ajudaria na conscientização da população. Para isso, Francisco acionou então Daniel, responsável pela assessoria de imprensa da prefeitura, para participar do COE-S como um convidado.
Fábio reportou também o agravamento dos casos de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático na população local, causados, principalmente, pela falta de notícias dos familiares desaparecidos (eram 28) e pela demora no sepultamento dos mortos (203 vítimas fatais). Ele e sua equipe elaboraram um plano de resposta a essa nova realidade, composto, principalmente, por uma série de ações voltadas para a assistência da população afetada. O aumento das demandas e necessidades em saúde mental e atenção psicossocial havia crescido de tal modo que era necessário um maior contingente de profissionais para dar conta dos atendimentos. As equipes que chegavam para dar suporte emergencial e organizar as primeiras ações de resposta, vindas de ONGs ou outros municípios, por exemplo, tinham data marcada para retornar aos seus locais de origem. Francisco, considerando a magnitude dos impactos na saúde mental e compreendendo a importância dessas ações, colocou como pauta para discussão com sua equipe a contratação emergencial de novos profissionais para ampliação da atenção em saúde mental e psicossocial no município.
Nesse momento, Mauro (coordenador de assistência farmacêutica) informa que diversos medicamentos que seriam necessários para o atendimento desses pacientes estavam com seus estoques muito baixos e iriam terminar em breve.