Exemplos de desastres intensivos e extensivos no Brasil

Secas (2005 e 2010) e cheias (2009 e 2012) no Amazonas

SECA

No ano de 2005, ocorreu uma importante seca na bacia Amazônica entre os meses de setembro e outubro. Foi a pior seca desde o início dos registros de cota do Rio Negro, em 1905. Todos os 62 municípios do estado do Amazonas decretaram situação de calamidade pública, afetando de modo mais intenso 914 comunidades, cerca de 32 mil famílias e mais de 167 mil habitantes.

Em 2010, uma seca ainda mais devastadora e considerada a mais intensa dos últimos 100 anos atingiu a região amazônica. Cerca de 122,6 mil pessoas foram atingidas diretamente, 18 municípios declararam situação de emergência. Mais de 28 mil famílias encontravam-se isoladas, pois habitavam zonas rurais de municípios, à beira de lagos, nascentes de igarapés e trechos de cursos d'água onde o nível da água já não comportava navegação. Os danos à economia agrícola da região atingiram cerca de 250 mil pessoas que dependiam dessas atividades.

CHEIA

Até o ano de 2009, a referência utilizada pelas comunidades ribeirinhas de Manaus para construção de palafitas era baseada na cota atingida em 1953, a maior cheia documentada até então. A cheia que terminou no dia 1 de julho de 2009, com um pico de 29,77 metros, apresentou um nível 1,97 metros acima da média e 0,08 acima do nível atingido em 1953.

Em 2012, uma inundação ainda maior que a de 2009 atingiu a região da capital amazonense com nível de 29,97 metros. Em ambos os eventos, cerca de 20 mil famílias vivendo em habitações com condições precárias, próximas a igarapés, sofreram com o avanço das águas sobre suas casas. Doenças como diarreia, leptospirose, dermatites, entre outras de veiculação hídrica, apresentaram surtos em toda a cidade.

O curto intervalo de menos de uma década – para registro das duas maiores secas e duas maiores cheias na região da bacia amazônica num período de 100 anos de observação – levanta questionamentos sobre as possíveis causas relacionadas às mudanças climáticas.

Fonte: Extraído do documento Desastres naturais e saúde no Brasil (2015).

Ciclone Catarina

Entre os dias 19 e 20 março de 2004, formou-se um sistema ciclônico raro, com estrutura híbrida, entre furacões tropicais típicos e ciclones extratropicais, a cerca de mil quilômetros da costa sul/sudeste do Brasil, atingindo o continente nos dias 27 e 28 de março daquele ano. O ciclone Catarina abrangeu o litoral norte do Rio Grande do Sul e o sul de Santa Catarina, causando danos nas áreas urbana e rural concentrados, numa faixa de aproximadamente 100 km.

O evento teve como saldo de danos humanos 27.560 desalojados, 2.589 desabrigados, 3.016 deslocados, 518 feridos e um morto, além de sete náufragos, sendo três resgatados com vida e dois resgatados em óbito. Os danos materiais totalizaram mais de um bilhão de reais. Foram 35.873 residências danificadas e 993 destruídas; entre os estabelecimentos comerciais, 2.274 ficaram danificados e 472 destruídos; 397 prédios públicos foram danificados e três destruídos. Os danos causados na região indicaram ventos de até 150 km/h.

A natureza do evento meteorológico no Atlântico Sul causou controvérsia entre os especialistas. Entretanto, existe consenso de que o episódio constituiu num importante alerta para a relação entre mudanças climáticas e mudanças nos padrões de ocorrência de eventos extremos resultando em desastres.

Fonte: Extraído do documento Desastres naturais e saúde no Brasil (2015).

Chuvas e deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro

Na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011, as fortes chuvas que acometeram a região serrana do Rio de Janeiro resultaram no que vem sendo considerado o maior desastre já ocorrido no Brasil. Essas chuvas provocaram inundações e deslizamentos que atingiram áreas rurais e urbanas, comunidades de baixo e alto poder aquisitivo. Algumas delas ficaram totalmente isoladas, com prédios, habitações, infraestrutura pública, estabelecimentos de saúde e escolas destruídas, comprometendo principalmente os serviços de abastecimento de água, energia elétrica e telefonia fixa.

As principais atividades econômicas da região foram prejudicadas e em termos de consequências humanas foram registrados 918 óbitos, 8.795 desabrigados e 22.604 desalojados, resultando no impacto direto sobre a vida de mais de 32 mil habitantes, principalmente nos municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, com o total de sete municípios decretando estado de calamidade pública.

O desastre revelou como a região serrana apresentava problemas crônicos de construções inadequadas em áreas de riscos (margens de rios e encostas), falhas na drenagem de águas, acúmulo de lixo nas encostas e desmatamentos, além da urbanização não planejada e da falta de terrenos próprios para moradias seguras, contribuindo para aumentar a vulnerabilidade socioambiental e convertê-la em desastres, expondo e afetando de modo mais intenso os mais pobres.

Fonte: Extraído do documento Desastres naturais e saúde no Brasil (2015).

A crise hídrica em São Paulo e o alerta sobre estiagens e secas nos grandes centros urbanos

O Sistema Cantareira (SC) foi criado nos anos 1970 e é composto por um conjunto de represas situadas a cerca de 70 quilômetros da cidade de São Paulo. Fornece água para cerca de 8,8 milhões de pessoas na grande São Paulo.

A primeira crise hídrica no Sistema Cantareira ocorreu em 2004, quando a capacidade de armazenamento de água chegou a 4,7%. Nos anos seguintes, foi registrado um crescimento: entre 2005 e 2007, a capacidade de armazenamento ficou entre 45 e 50%, caindo, porém, para 38,5% em 2008. Voltou a subir em 2009, com 62%, chegando a 98,6% em 2010. A partir desse ano voltou a apresentar queda: 91,3% em 2011; 76,2% em 2012; 52,4% em 2013; e 21,2% em fevereiro de 2014. Um ano depois, em 1 de fevereiro de 2015, havia chegado a 5%, nível próximo ao de 2004.

Séries históricas com dados de precipitação acumulada (mm) demonstram que enquanto na região do Sistema Cantareira houve uma queda – passou de cerca de 1.700 mm em 1984 para 1.400 mm em 2014 –, na cidade de São Paulo aconteceu o inverso no mesmo período – passou de cerca de 1.400 mm para 1.600 mm. Vários aspectos podem contribuir para essa assimetria entre as precipitações acumuladas em São Paulo, a maior cidade brasileira, que depende em grande parte da água oriunda do SC, ao mesmo tempo em que ocorre a diminuição da precipitação na região do próprio sistema.

Nas cidades como São Paulo, o crescimento da população – passou de 5,9 milhões de habitantes em 1970 para 11,2 milhões em 2010 – e seu adensamento – passou de 3,9 habitantes por km2 em 1970 para 7,5 em 2010 – foram acompanhados por um processo de impermeabilização com grandes massas de asfalto e concreto e perda da cobertura vegetal. Isso resultou em ilhas urbanas de calor que apresentam temperaturas até 3°C mais altas do que na zona rural do seu entorno.

Além disso, o crescimento da população e seu adensamento a partir dos anos 1970, fato que por si só já resulta no aumento do consumo de água, foi também acompanhado de uma elevação no consumo per capita. Há dez anos um habitante consumia em média 150 litros de água por dia. Hoje, o consumo é de 25 litros a mais, ou seja, 175 litros de água/dia. Nas regiões dos mananciais de água, as ocupações irregulares, o desmatamento e a agropecuária (49% da região do SC é ocupada por pastos) constituem os principais determinantes sociais que contribuem para diminuir as reservas necessárias para os períodos de estiagens.

O que a crise hídrica em São Paulo revela é a tendência de uma crescente e cíclica vulnerabilidade das grandes cidades aos fenômenos como estiagem e seca. Essa realidade envolve um conjunto de processos que variam das mudanças climáticas globais às mudanças ambientais nos níveis regional e local, apontando para que os governos, nos diferentes níveis (do subnacional ao nacional), desenvolvam planos de emergência para garantir o acesso à água de qualidade para o consumo humano. É preciso um olhar especial para a população mais pobre e vulnerável, com menor capacidade de armazenar ou comprar água mineral, bem como para as necessidades de funcionamento dos serviços de saúde.

Esses planos devem estar acoplados a políticas transparentes para o enfrentamento dessas crises cíclicas (até outubro de 2014, a empresa fornecedora de água de São Paulo negou o racionamento), de modo a evitar o consumo de águas de fontes não oficiais e improvisadas, bem como o armazenamento inadequado de água, que contribui, entre outros efeitos, para o risco de surtos de doenças como diarreias, gastroenterites, rotavírus e hepatite A.

Em São Paulo, a população, por não saber claramente sobre as medidas de racionamento, bem como quando e o quanto de água seria fornecida, passou a armazená-la muitas vezes de forma inadequada. Uma das consequências desse processo de armazenamento foi um aumento no número de óbitos e de casos notificados. No primeiro bimestre de 2014, foram registrados cinco óbitos e 11.876 casos notificados. No primeiro bimestre de 2015, o número de óbitos foi de 24 (aumento de 380%) e de 94.623 casos notificados (aumento de 697%).

Fonte: Extraído do documento Atuação do Setor Saúde frente à situação de seca (2015).